Amor 2 em 1

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*Vitória*

Virada de ano, lá vem 2016. 2015 foi um ano tão louco para mim e para Ninha, meu deus, que ano! Faziam umas duas semanas que eu a Ana Clara estávamos... saindo? Sei lá qual a palavra, mas há duas semanas nós compartilhávamos não só a vida, mas também nossos corpos. Estávamos em Araguaína e com família para tudo que é lado, logo após o ano novo, que passaríamos juntas com mais alguns amigos na beira do nosso rio, iríamos de volta pra SP. Estávamos no meu quinta, já prontas, esperando que nossos amigos chegassem para que fossemos juntos até o rio.

Deitamos no gramado do meu quintal e ficamos observando o céu, minha família estava na casa de Ana com sua família e, para todos os efeitos, nós já tínhamos ido para a beira do rio. Mentimos para conseguirmos um momento raro nas férias de sossego e companhia exclusiva, sem que nossas mães chegassem com lanches e conversas. Ali deitadinhas no gramado, abraçadas, eu sentia o cheiro da cabelo recém-lavado da Ana me invadir. Ah, o céu de Araguaína não tem igual mesmo.

- Vi... – Ela parecia receosa, enquanto eu acariciava seus dedos em cima da minha barriga.

- Oi, canguinha.

- Ontem, lá no barzinho, o que o Dan queria contigo naquela hora que ficaram só vocês dois?

- Ninha... para de bobeira – Falei dando um beijinho em sua testa.

- Vi, não é bobeira, poxa. – Sua voz agora parecia chateada – A gente tem isso que não tem e tu fica de papo com o Dan na minha frente?

- NaClara, não vai brigar, né? – Eu disse firme, ainda lhe fazendo carinho na mão e nos cabelos.

- Não – Ela disse já fazendo um biquinho.

Lhe dei um beijo no topo da cabeça e voltamos a fazer silêncio e meus olhos voltaram a admirar o céu. Depois de alguns minutos senti algo molhar meu braço onde ela estava apoiada e percebi que era uma lágrima.

- Ninha, tu tá chorando?

-Não

- Tá sim, deixa eu ver – Falei levantando seu queijo até ver aqueles olhinhos tristes e molhados. – ô meu amor chora não – dei um beijinho em cada olhinho dela.

- Não tô chorando.

Ana quase nunca chorava, mas seu ciúme a tirava de si, parecia que ela virava outra pessoa. Nunca tínhamos tido um problema sério por ciúme dela, mas lembro de como com ela e Letícia eram gritos e brigas horrendas por isso.

- Amor, eu tô aqui, contigo. O Dan nem disse nada demais, não era um flerte, mas o foco aqui não é o Dan. Tu não tem motivo pra encher esses olhinhos d'água e perder esse céu tão bonito que tamo aqui dividindo por besteira. Eu te amo, tu me ama não precisa transformar amor em sentimento ruim. Se e quando eu quiser beijar outra boca, eu vou fazer e se não fiz ainda é porque só quero beijar essa boca – coloquei meu indicador sobre sua boca e deixei um selinho ali – todo o tempo. Tu sabe disso porque se tu quiser beijar outra boca tu também vai que eu sei.

Ela sorriu.

- Vou mesmo. – Ela disse tentando soar brincalhona.

- Enxuga as lágrimas que eu quero aproveitar mais 10 minutos desse céu com teu cheiro. – Eu disse já tomando sua boca pra mim e ficamos ali deitadas por mais uns minutos até que nossos amigos chegaram e fomos para a beirinha do rio virar o ano.

Quando deu meia noite não tive a sorte dos anônimos ou dos héteros e não pude dar um beijo bem ali, na beirinha do rio, na boca que eu amava, mas nos abraçamos e nossas mãos não se soltavam por nem um momento. Ninha foi dormir lá em casa e minha família já havia voltado e estava dormindo quando chegamos, fomos para o meu quarto, trancamos a porta, mantamos toda a vontade de nos amarmos naquela cama. Acordei dia 01 com uma Ana Clara vestindo minha blusa, que lhe servia de vestido graças aos meus centímetros a mais tocando uma melodia nova.

- Eita que a princesa acordou compondo. – Falei sorrindo.

- Shiiiu. - Ela me repreendeu e continuou.

"É que tu tem asas nos pés,

e me faz querer voar também,

tu é paz, tu é luz, tu é mar,

é encaixe."

Ela entendeu. Ela havia entendido bem ali tudo que eu quis dizer na noite anterior sobre sermos livres porque é amor e porque pra mim amor só existe assim. Não aguentei e comecei a lhe distribuir vários beijos.

- Sossega que eu destranquei a porta já – Ela disse rindo.

JUNHO DE 2016

Eu e Ana continuávamos o nosso ser, a própria Letícia já havia voltado a aparecer nos encontros dos amigos em comum e ela e Ana tinham voltado a se falar, eu não sei se algo acontecia entre elas porque isso era parte do que vivíamos. Eu não perguntava e ela não me contava, não sobre Letícia. Sobre ninguém e talvez não tenha existido alguém para ela nesse período, como não houve para mim. Assim seguíamos. Nossa intimidade transpassava telas e o público percebia que não éramos só amigas, mas até quando éramos achavam que não, então, vida que segue.

Acordei e o cheirinho de pão de queijo me invadiu, enquanto uma melodia conhecida ecoava da sala, o que estava tocando era... JANEIRO! Ana nunca quis lançar janeiro, segundo ela qualquer um que ouvisse saberia de imediato que se tratava de mim, aquela era só minha, só nossa.

Levantei correndo e lá estava uma Ana Clara brava em meio a papéis e o violão.

- Sério que o Felipe acha que se compõe uma música em DEZ dias? Vitória como eu vou compor sobre um notebook? – Ela disse emburrada.

- Bom dia, florzinha. – Lhe dei um selinho – vamos, eu te ajudo. Esse é o notebook?

Ela acenou positivamente com a cabeça, ainda emburrada, como criança bicuda. Comecei a remexer nele e dali, naquela manhã de junho nasceu "Amor 2 em 1", segundo Ninha a base era a de "Janeiro" para que a letra de janeiro continuasse preservada, mas ela tinha surpresas e mais surpresas, na verdade eu mal conhecia o refrão da música já que ela se enfurnou no próprio quarto de portas fechadas para que eu não a ouvisse incompleta.

"Amor 2 em 1" foi gravada em nossa casa, poucas pessoas, só o Marcos, rapaz legal da Dell e amigo de longa data do Felipe, o Felipe, nós duas e a Isa. Estávamos completamente à vontade no nosso sofá e a gravação transpôs isso, até a voz de fridinha que eu fazia pra ela sorrir foi para aquele vídeo. É, de longe, o meu preferido. A risadinha dela no início, a timidez no final, a letra, ela.
Tua boca cai tão bem em mim
Meu sempre cai tão bem em ti
E as contas até já perdi
De quantas vezes eu perdi o ar
Em te assistir sorrir
Minha mão só conversa com a tua
Teu toque sossega no meu
É tu que tem minha moldura
E teu abraço cura
Se faz pedaço meu
É que tu não desgruda de mim
E o meu pensar te pertence
Me cala com beijo
Me acha em teus dedos
Em mim o desejo é de ti
Quando te deixo me ganhar
Te sinto mais que um par
Nos vejo em um
Eu já nem sei onde eu começo e termina você
Em meio segundo tu consegue me convencer
Que a vida é tão bonita
Quando dividida com alguém
Que o tempo até parece perdurar
Meu bem
É que tu não desgruda de mim
E o meu pensar te pertence
Me cala com beijo
Me acha em teus dedos
Em mim o desejo é de ti
Quando te deixo me ganhar
Te sinto mais que um par
Nos vejo em um
Quando te deixo me ganhar
Te sinto mais que um par
Amor 2 em 1

*Ana Clara*

Vitória sempre me ensina tanto, ter todos os dias as nossas manhãs preguiçosas e os sorrisos dela antes de dormir, ver ela toda desenvolta respondendo que não vamos falar da vida pessoal enquanto meu tento achar um buraco no chão e quando ela canta e todo o mundo para de girar e a observa iluminar tudinho ao redor. Passam dias, semanas, meses e eu não me acostumo nunca com a paz que essa menina me traz. Eu só sei cantar Vitória, eu sorrio Vitória.

Existe todo um novo crescer naqueles olhos. Eu reaprendo a amar a Vi todos os dias, reaprendo a controlar o tóxico e deixar ser livre, deixar ser amor. Vitória me liberta até de mim. E agora eu estou aqui, a observando dormir calmamente, nua, na minha cama, as pintas em suas costas, as curvas do seu corpo e a pele reluzindo esse sol que já nasceu há horas, mas a dorminhoca não acorda. Vitória batizou a música de amor 2 em 1, mal ela sabe que a amo em uma infinidade tão grande de formas que os números não caberiam no título da música. Eu queria poder morar nesse Marte despertando e nunca mais vir à Terra de novo.

Marte e GirassóisOnde histórias criam vida. Descubra agora