Deixem comigo o pouco que me resta

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Seis minutos foi o tempo que tirei para chegar à casa de Crislen. Estaciono o carro bem à frente de sua casa e saio o mais depressa possível.
Um turbilhão de pensamentos parecem explodirem em minha mente. Ter tratado minha mãe daquela forma não foi nada prudente da minha parte.
Quando me dou conta já bati na porta.
– CRIISLEEN?? – grito para que ela saiba que cheguei. – ABRE LOGO ESSA PORTAA!!
Ouço passos vindo em direção da porta. Respiro fundo.
– Pê... – ela sussurra meu nome enquanto enxuga as lágrimas que já escorrem por suas bochechas.
– Desculpe a demo... – antes que eu consiga terminar a frase ela me abraça. É um abraço bem forte, posso sentir todas as emoções provocadas por ele e, infelizmente, são mais de tristezas que de alegrias.
– O que houve? – pergunto enquanto ela me abraça. Acaricio seus cabelos e a envolvo com meus braços fortemente.
– E-eu estou de-desmoronando, Pê.
– Olha...Vamos entrar? – sugiro. – Assim você me conta o que houve com mais calma.
– Tu-tudo bem.
Chega a ser aterrorizante vê-la dessa forma. Crislen sempre foi uma garota muito forte, mesmo quando a tempestade tomava conta de todo seu ser ela nos demonstrava calmaria e bonança.
A mãe de Crislen não estava em casa, o que era bom porque eu não estou a fim de justificar as ações de minha mãe.
Ela entra e eu a sigo. Seguimos em direção ao seu quarto.
– Senta aqui. – digo direcionando-a para sua cama. – Vou buscar um pouco de água.
Quando chego na cozinha os pensamentos me invadem novamente. Apoio minha cabeça nas extremidades de um pequeno balcão na esperança de que eles desapareçam, mas nada acontece. Por fim, pego o copo com água e volto para o quarto.
– Aqui está. – digo enquanto lhe entrego o copo d'água.
– Obrigada! Mas por que você está de pantufas?
– Ahh, isso é uma longa história.

Depois de Crislen beber um pouco de água sento-me ao seu lado.
– Então...??? – pergunto apreensiva.
– Eu sei que não fui a melhor amiga para você e eu lhe peço desculpas por isso.
– Ah meu Deus!
– Deixe eu terminar. – Cris me interrompe pondo suas mãos sobre as minhas. – Você foi, e é, minha melhor amiga. Passamos por várias coisas e eu só tenho que te agradecer. E sim, fiquei muito chateada por ter que ficar sabendo daquilo por sua mãe...
– Aamm? Como assim?
– Mas eu lhe entendo.
– Sabendo de que? Eu não faço ideia do que você está falando.
– Sobre você ir embora. Sobre todos vocês irem.
– Embora? – pergunto incrédula. – Minha mãe veio lhe contar que íamos embora?
– Sim. Ela jogou algumas coisas na minha cara, nada que não fosse verdade, me pediu desculpas por outras e contou isso.
Eu estou sem acreditar. Minha mãe havia mencionado que isso poderia vir a acontecer, mas já faz bastante tempo.
– Eu...Eu... – não consigo dizer absolutamente nada. A frase já está formada em minha mente, mas não consigo dizê-la.
– Isso é culpa minha?
– Cris, isso não.
– Desculpe. – ela fala chorando – eu não queria prejudicar a nossa amizade.

Eu e Crislen passamos por várias coisas juntas. Minha mãe sempre teve um pé atrás com ela pelas coisas que aprontava. Ela costuma dizer que isso pode me afetar e eu concordo, mas eu quem escolho se quero ser afetada ou não.
Cris é jovem, mas já sofreu demais nessa vida. Depois de sua terceira relação sexual, precisamente 3 meses depois, ela descobriu que estava grávida. Foi horrível, sua mãe dizia que não aceitaria a criança, que lhe expulsaria de casa e que ela teria que se virar de alguma forma. Eu fui a única pessoa que esteve presente o tempo todo. O cara com quem ela havia se relacionado deu no pé assim que soube da gravidez e ainda disse "Deu porque quis.". Canalha!
Depois que teve a criança ela precisou deixá-la na porta da casa de um casal cristão. E, como se não bastasse, Cris teve início de depressão, passou a ser dependente química e foi preciso ser internada em uma clínica de reabilitação.
Quando finalmente conseguiu se recuperar e voltar para casa ela descobriu que sua mãe havia tentado cometer suicídio por ter sido dura com a filha no momento em que ela mais precisava da mãe.
Foi nesse período que descobri que minha mãe havia traído meu pai. Vivíamos em meio ao caos.
Não tínhamos nada, mas tínhamos uma a outra e isso se tornou o nosso tudo, mas até isso estava sendo tirado de nós.

O calor da neveOnde histórias criam vida. Descubra agora