Leveza

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Depois de preparar nosso lanche, chamo Scott para que venha até à cozinha. Observo-o descer os degraus e me compadeço d'ele ter que passar por isso, mas também fico feliz por ele não saber exatamente o que está acontecendo.
– Vamos, vamos. – digo passando uma de minhas mãos em seus cabelos loiros e lisos.
Apoio minhas mãos em seus ombros e o direciono até à cozinha.
– O que é isso? – Scott pergunta apontando para os sanduíches que estão no centro da mesa.
– Como assim? Tá feio?  – pergunto fingindo tristeza.
– Não...
– Claro, eu sou...
– Tá horrível. – ele diz isso e cai na gargalhada.
– Isso tudo é inveja dos meus incríveis dotes culinários. – falo rindo.
Scott escolhe o sanduíche mais recheado e eu o observo se deliciar ao comer.
– Quer saber... – fala com a boca cheia. – isso tá uma gostosura, Pê!
– Você realmente está com fome.
Rimos.

Os momentos que tenho ao lado de Scott são os melhores possíveis, sou grata por ter um relacionamento agradável com ele. Ele e Cris são meu refúgio no meio de toda essa tempestade.
– Pê, a gente bem que devia ir ao S.G.
S.G, ou Snack and Games, é um espaço bem frequentado por crianças, adolescentes e adultos principalmente nos finais de semana. Como o próprio nome já diz, é uma mistura de lanchonete com um espaço para jogos.
– Hmmm, é... Parece uma boa.
– Sério? – pergunta animado.
– Sim, sim.
– Vou me arrumar. – diz isso levantando-se  rapidamente com um pedaço de sanduíche na mão e corre para o seu quarto.
– Ei, ei... Hoje?
Silêncio.
Já era, ele já não está mais aqui.

Termino de comer e vou para o meu quarto. Ligo para Crislen e a convido para sair com a gente.
– Vamos, por favor. – imploro.
– Lá só tem pirralhos.
– Mas nós iremos. Pode ser a última oportunidade antes de eu ir embora.
Eu não devia ter dito isso. Percebo que o que eu falei causou um clima tenso.
– Tem razão. Eu vou. – Cris fala quebrando o silêncio.
Pelo menos funcionou.

16:40

– Pê, a gente não vai, não? – Scott pergunta impaciente. – A Cris tá demorando muito.
– Já liguei para ela, nós iremos na frente.
–Uuhhh!!
– Nós nos encontrarmos lá.

17:37

Eu e Crislen estamos sentadas observando algumas crianças se divertindo. Scott vai sentir saudade desse lugar, por mais que não frequentemos tanto assim, ele vai sentir falta. 
– Ele já sabe? – Cris pergunta.
Olho para ela e faço um gestos de negação com a cabeça.
– E você, já sabe quando vai ser?
– Também não. Meu pai vai chegar... – dou uma pequena pausa antes de continuar a falar. Lembro-me que papai disse que viria jantar conosco. – Caramba! Meu pai vai chegar agora.
– Agora? Tipo, já?
– Não sei. – digo levantando-me e ajustando  meu vestido que já está todo amarrotado. – Agora de noite.
– Vou chamar seu irmão.
– Tá certo.
Enquanto Cris vai chamar Scott eu decido ir até o balcão de lanches pagar a conta.
– J. P?
– Petrina! Você por aqui? Já faz tanto tempo.
– Sim, faz mesmo.
J. P é um senhor de uns 45 anos, mas com vigor de um jovem.
– Scott fez sua cabeça, hein?
– Ele sempre consegue. – rimos. – Bom, aqui está, foram 3 Milk Shakes e 4 fichas para jogos.
– Scott jogou tudo isso?
– Ele está aproveitando bem. – olho para direção em que Scott está. – É como se ele soubesse que vamos embora.
Não acredito que deixei escapar.
– Vão embora? Quando? – J. P pergunta incrédulo.
– Aam, eu ainda não sei...
– Poxa vida, hein?
– Vou sentir falta disso tudo. Aqui é um bom lugar.
– É sim. Olha, os Milk Shakes vão sair por minha conta.
– Que? Não precisa disso...
– Só precisará pagar os jogos porque... Sabe, né? Não depende de mim.
– J. P...
– Por favor.
Fico em silêncio por alguns segundos.
– Okay, obrigada!
– Imagina.

17:46

Ao chegarmos em casa, dou uma olhadinha em direção à garagem e vejo que o carro de papai ainda não está lá.
– Ei, Cott – digo enquanto tento abrir a porta – que tal tomarmos um banho, ficarmos bem cheirosos para esperar o papai chegar?
– Tudo bem. O último a ficar pronto é a mulher do padre!
Dito isso, ele sai correndo para o interior da casa.
– MAS VOCÊ DEVE TIRAR TODO ESSE FEDOR DIREITO, RAPAZ! – grito observando-o subir os degraus.
Fecho a porta e direciono-me à sala de visitas.
– Que animação é essa? – mamãe pergunta.
Não havia notado que ela estava ali, mas, de qualquer forma, agirei normalmente.
– Vamos esperar o papai chegar. Cott foi tomar banho.
– Você quer...
– Eu estou indo agora. – interrompo-a.

Antes de entrar em meu quarto, passo pela porta do quarto de Scott e o ouço cantarolar enquanto toma banho. Paro por alguns segundos e a saudade do meu tempo de criança me invade. É o período mais mágico e belo da vida do ser humano. É quando somos inocentes, não vemos maldade nas pessoas e no mundo por mais que essa seja uma das únicas coisas que ele tenha a nos oferecer.
– CUZ THIS IS THRILLEEER!! – recomponho-me de meus pensamentos quando ouço Scott gritar um trecho da música de Michael Jackson. Ponho a mão em minha boca tentando abafar minha gargalhada.

Vou para o meu quarto e sem perder tempo já entro no banheiro. Retiro rapidamente minhas roupas e vou para debaixo do chuveiro. O dia foi bem cheio e algo me diz que a noite não será diferente.
Ao menos, de todas as coisas que vão embora assim como eu também irei, a sensação de leveza permanente aqui e desejo que ela dure por mais tempo.

O calor da neveOnde histórias criam vida. Descubra agora