Capítulo 1

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CAPÍTULO 1

POUCO ANTES DA MEIA-NOITE, ESTOU parada na grama, descalça, em um vestido

emprestado, bebendo champanhe em um copo de plástico e observando

as estrelas. Há uma festa acontecendo na mansão abandonada atrás de

mim, organizada pela minha melhor amiga, a incansável Harp, a mesma

que me emprestou o vestido e descolou o champanhe. É fim de março e

está um pouco frio. Ouço Harp gritando mais alto que a música lá

dentro, tentando fazer todo mundo iniciar a contagem regressiva, como

se amanhã começasse de um novo ano. Dez, nove, oito. Sei que eu

também deveria estar comemorando, mas não gosto da contagem

regressiva. Sete, seis, cinco. Penso nos meus pais. Me pergunto se eles

também estão fazendo a contagem. Imagino os dois de mãos dadas no

meio da rua, esperando. Quatro, três, dois. Neste momento, que

acreditam ser o último deles na Terra, será que sequer estão pensando

em mim?

Um.

Ouço vivas e gargalhadas lá dentro.

— Cadê a Viv? — Escuto Harp gritar.

Faço menção de me virar para voltar à festa, beber e dançar com a

minha melhor amiga agora que provamos estar certas, ainda vivas. Mas

então uma silhueta preta passa rapidamente diante da lua. A

semelhança com um corpo humano é suficiente para me paralisar. É

agora, penso. Nos três anos desde que o Pastor Beaton Frick previu que o

Arrebatamento estava próximo, jamais pensei que ele tivesse razão. Mas

neste instante, de olhos arregalados, meu corpo tenso de preocupação,

acontece o que pensei que nunca aconteceria: eu acredito.

Então vejo a silhueta outra vez e percebo que é um morcego veloz,

entrando e saindo do meu campo de visão. E de repente Harp está

parada na porta.

— Que isso, Vivian Apple? Está tentando ascender ao Reino dos

Céus? No meio da minha festa?

Corro na direção dela, derramando champanhe nas minhas pernas,

rindo mais do que a piada de Harp merece, porque estou tentando

ignorar a crença que persiste em meu íntimo, como uma nova e

inescapável parte de mim.

Fui vizinha de Harp a vida toda, mas ela sempre pareceu um pouco louca

— a garota que, aos doze anos, sacava um maço de cigarros em pleno

ponto de ônibus e fumava quatro deles sem qualquer razão aparente

enquanto o restante de nós olhava embasbacado. E, de qualquer forma,

eu já tinha amigas, todas boas meninas como eu. Entretanto, no início do

Vivian Contra o ApocalipseOnde histórias criam vida. Descubra agora