Capítulo 3

13 1 0
                                    


CAPÍTULO 3

DE MANHÃ, VEJO OS RAIOS de sol no teto da sala e percebo que não estou na

cama. Escuto quatro outras respirações perto de mim e me lembro de

por que estamos ali, do que aconteceu. Meus pais sumiram. Na mesma

hora, sei que isso sempre vai ser doloroso — me dou conta de que, se eu

deixar, vou constantemente me esquecer e então me lembrar de novo da

ausência deles. Sempre com uma nova pontada de dor, como se estivesse

apertando um hematoma. Eu me levanto sem fazer barulho e subo as

escadas até o quarto dos meus pais. Está do mesmo jeito de quando

entrei ontem, a não ser por uma folhinha verde que caiu por um dos

buracos no teto. Abro as gavetas dos criados-mudos, agora vazias, exceto

pelos exemplares do Livro de Frick que eles guardavam lá. Examino a

cômoda do meu pai. Também está quase vazia, só encontro um pente,

um desodorante e uma foto minha no jardim de infância, na qual estou

com a boca fechada e cabelo com corte chanel e franja. Ele ama essa

foto. Amava. Está na hora de pensar neles dois no passado. Se sinto

qualquer ressentimento com o fato de que a versão de mim na qual meu

pai pensava toda manhã era uma de onze anos atrás, é fácil deixar isso

de lado ao examinar o espelho da penteadeira da minha mãe. Está tão

coberto de fotos que mal consigo ver meu reflexo. E todas são dos dois.

Não estou em lugar nenhum.

— Eles se foram — digo para mim mesma. Minha voz sai um pouco

trêmula, porque não quero que meus amigos lá embaixo me ouçam. Mas

então repito mais alto, com mais firmeza: — Eles se foram.

Vou ao meu quarto procurar meu diário. Na verdade, é mais uma

bagunça do que um diário. Mantenho registros dos últimos anos em

folhas de papel soltas enfiadas em diversos esconderijos — entre o

colchão e a cama, no forro dos casacos de inverno, entre as páginas do

Livro de Frick que meus pais me deram sem nunca esperar que eu lesse.

Pego todas e as grampeio juntas. Então, em uma página em branco,

começo a escrever.

Meus pais, coloco no topo. Depois crio um subtítulo:

Mãe.

• Mara Apple. Sobrenome de solteira: Pederson. Nascimento: 28 de

julho de 1968.

• Cabelo loiro-acobreado, comprido.

• Comida favorita: lasanha.

• Uma vez, no segundo ano do ensino fundamental, contei a ela que

estava apaixonada por um garoto e queria mandar um bilhete de

admirador secreto. Ela me ajudou a escrever, até fez um desenho de

Vivian Contra o ApocalipseOnde histórias criam vida. Descubra agora