Todos os Nossos Fantasmas

16. Tudo aquilo que foi perdido

Dezembro de 2014

Sexta-feira, Shopping Mapinguari, 15h30

Um ano e dez meses antes do fim

- Com licença.

Daniel se virou, assustado. A música em seus fones estava alta e ele ainda estava empolgado por achar um exemplar de um dos seus livros favoritos ali. Pensava que as edições de "Cujo" não existiam mais, mas ao achar um exemplar, quase não pôde conter sua alegria. Foi quando seu fluxo de pensamentos foi interrompido, e ele encarou o responsável.

- Você pode me passar o livro que tá embaixo do que você acabou de pegar? - perguntou, simpático.

Daniel o analisou. O cara à sua frente parecia amigável. Era asiático, usava uma camisa preta de Twin Peaks, com o logo da série em neon verde. Sorria. Foram preciso alguns segundos para que o adolescente perceber que o sorriso era direcionado a ele.

- Claro – respondeu, passando o livro.

- Obrigado – agradeceu o outro. - Sou Afonso, por sinal.

Porque ele está se apresentando?, pensou.

- Sou Daniel – respondeu.

Porque EU estou me apresentando?, pensou mais uma vez.

- Então... - Afonso sorriu mais uma vez, e um formigamento estranho passou pelo pescoço de Daniel. - Você gosta de Stephen King?

- É meu segundo autor favorito.

- E qual é o primeiro?

- Você não deve conhecer.

- Porque não me apresenta?

Dessa vez, foi Daniel quem riu. Encarou Afonso, e tentou disfarçar sua fascinação.

- Eu te conheço de algum lugar?

- Não que eu me lembre.

- Então porque chega num desconhecido e age como se ele fosse um amigo íntimo?

- Digamos que quando você passa por algumas coisas, você percebe que não vale a pena perder tempo com melismas em excesso.

- Você tem quarenta anos de idade num corpo de 16?

- Nossa, você acha que tenho 16?

- Na verdade eu acho que você tem 40 – disse, sério por um segundo, e então os dois riram.

Afonso não sabia, mas era a primeira vez na semana que Daniel conseguia sorrir.

- O que você vai fazer depois que sair daqui? - disse o outro.

- Não sei – respondeu Daniel. - Tava pensando em ir ver algo no cinema.

- Vai ter companhia?

Daniel, nos segundos que se passaram, se perguntou se deveria mentir. Olhou fundo nos olhos de Afonso por um momento, e algo no jeito irreverente em como ele o encarava fez cair uma de suas barreiras.

- Você gosta de Senhor dos Aneis? Ou de O Hobbit?

- Claro – disse Afonso. - Mas nunca vi nenhum filme.

- Porra – riu Daniel. - Como você gosta se nunca viu nenhum?

- Porque se eu ver algum com você – sorriu o garoto. - Sei que vou gostar.

- Ousado. Meus parabéns – bateu palmas devagar, tentando disfarçar que estava corando. - Sabe, eu poderia ser hétero e poderia estar te dando um soco nesse momento.