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Me pergunto por quantos segundos continuarei com a mente limpa. Antes mesmo de achar a resposta, minhas rasuras nos pedidos errados mostram que eles já chegaram ao fim. Tento impedir, mas meus pensamentos continuam em outra coisa.

- Não acredite em tudo que essa cliente diz. - Vernon se aproxima, me despertando para passar o recado. Só entendo quando a menina que vi no meu primeiro dia acena para ele. Rio um pouco enquanto vou em direção à sua irmã.

- Bom dia. - Digo gentilmente. - Já tem em mente o que...

- Você é a Maya, certo? - Me interrompe de uma forma engraçada e afirmo. - Deu pra saber só pela descrição super detalhada que ele fez. - Olha de relance para o menino no balcão. Mesmo um pouco ocupado, mantém os olhos em nossa direção como se temesse algo. - Viu a cara dele? - A risada escapa enquanto fecha os olhos e levanta as sobrancelhas. Exatamente como o irmão faz. - Está assim porque sabe que direi coisas do tipo "Hansol vive falando de você. Do quanto é bonita, simpática, gentil e blábláblá". - As palavras deixam seus lábios como se meu rosto não ficasse rubro por tais declarações.

- Ele disse isso? - Fito o bloco de notas com a folha ainda em branco.

- Pelo visto é tímida também. - Faz uma pausa para me deixar recuperar a cor normal. - Às vezes me sinto a irmã mais velha, dando conselhos sobre como deve ter mais atitude. - Minha risada soa um tanto nervosa por não saber o que dizer. - Bom, é melhor eu fazer meu pedido logo, antes que ele morra de nervosismo e curiosidade.

O olhar dele parece curioso e não desvio. As bochechas começam a imitar a cor que tive há alguns minutos. Como alguém com esse rosto pode ficar sem graça pela minha presença? Como consegue me notar quando Yuna e Shizuki estão ali? Acabo com nosso contato visual. Respiro fundo. Odeio comparações. Odeio principalmente me colocar para baixo. Mas vez ou outra essas coisas cismam em dar as caras para abalar minha autoestima.

- Nada de sonhos? - Shizuki diz depois da tarde inteira sem movimento na cafeteria. Começando um assunto que não me agrada. Apenas nego.

Depois de desabafar com ela, foi como se a situação se agravase. A ideia de querer sua presença impossível só está me matando aos poucos. Mesmo que doa, tudo continua me levando de volta a ele. Quase sempre sinto como se tivesse meus joelhos no chão e um vazio no coração.

- Aconteceu alguma coisa? - Vernon se aproxima, me fazendo abaixar mais a cabeça.

- Não. - Respiro fundo. - Mas preciso de sua ajuda. - Franzo o cenho, já sabendo que irá aprontar. - Seu ponto de vista, para ser mais específica. - O rapaz se apoia no balcão atento enquanto uma mecha dourada e cacheada está prestes a atrapalhar sua visão. - Você acha que... é possível se apaixonar por alguém... através de um sonho? - Quase grito um "O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?", mas ele não está rindo como imaginei. Observo curiosa e deixo a angustia um pouco de lado.

- Alguém que não existe? - Concorda. E enquanto Vernon fica pensativo, eu tento lidar com a pergunta. - Acho que sim. Sonhos são cheios de significados. Não entendo muito, mas penso que nosso cérebro pode ter a capacidade de criar uma pessoa perfeita para preencher algum vazio. Algo que falta em nossa vida. Até mesmo o amor. Assim acabamos ficando sem saída e nos entregamos ao sentimento.- Coça o maxilar.- Não sei se o que estou dizendo faz sentido...

Shizuki fala algo sobre Vernon ter ajudado bastante e me lança um olhar com significados mais ocultos que os sonhos, mas consigo entender um deles. Passo a não ouvir mais o que dizem. Repito a frase perto do cérebro "Isso não é amor, você só está criando algo para dar cor à sua vida preta e branca" para que ele se sinta culpado pelo que pode ter criado. Mas antes de repetir pela quarta vez, um "Obrigada" vai no lugar.

- Ah, antes que eu me esqueça. Meus amigos que estão sempre viajando, estão em Seul e combinamos de sair hoje à noite. Queria apresentar vocês a eles. Yuna disse que vai. São pessoas boas, animadas e engraçadas.

- Desculpa. Dessa vez não vai dar. Eu e Maya combinamos uma maratona de filmes para depois do trabalho dela na galeria. Mas na próxima iremos! - Agradeceu sorrindo. Depois de alguns minutos ele se afasta.- Não foi à toa que uma coisa dessas saiu da boca dele. - Cochicha com medo de poderem escutá-la.

- Nem vem.

- Já viu o jeito que ele te olha? - Me dá uma cotovelada se animando como uma criança. - Vernon é bonito e ainda é uma pessoa legal. E além do mais, vocês combinam... Eu shippo! - Acaba se alterando no final e tampo sua boca enquanto rimos.

- O estranho e diferente sempre me atraiu mais. - Me recomponho e desvio de seu rosto, me sentindo nada confortável.

- Seu anjo dos quadros não é nem um pouco estranho, Maya.

Mingyu é diferente... de tudo.

Os dias estão corridos e, mesmo assim, cismam de passar em câmera lenta bem na frente de meus olhos. Demorei um pouco para me dar conta do quão cansada fisicamente e mentalmente estou. E nas noites que deveriam ser de paz e descanso, a insônia decide me fazer uma visita e a prolonga enquanto me convence que o céu é mais interessante que 8 horas de sono.

O que escrevi nessa madrugada ainda está fresco em minha mente. Assim como os pensamentos que vieram acompanhados. Desabafei sobre algo da maneira mais covarde. Escrevendo para mim mesma. E, ainda que minha amizade com Shizuki esteja se fortalecendo até em situações de tempestades com chuvas desastrosas, eu ainda me sinto melhor lidando com as coisas sozinha.

Decidi, depois de muitas horas pensando... Eu não tenho espaço para nada disso em minha vida. Um sentimento que tento evitar, mas que em certas horas acabo alimentando. Quando ele nem mesmo existe. E já passou da hora de encarar isso.

Você é amarelo. Brilhante. Vibrante. Mas também pode ser dourado, assim como as manhãs mais lindas. Ou o laranja de um entardecer hipnotizador. Seu sorriso é capaz de refletir toda a felicidade desse mundo. Ele é tão intenso que até me contagia para te acompanhar. E esses momentos foram da felicidade mais pura e verdadeira. A sensação que tive quando suas risadas soaram. Parecia que girassóis cresciam em meu estômago. A voz tão única que consegue ser mais imperdível que um crepúsculo. Que pode não durar muito, mas guardei o momento em minha mente para sempre. Seus olhos contêm as estrelas mais radiantes de todas as galáxias descobertas e não descobertas. Eles falam. E nunca mentem. São emotivos e únicos. Corre-se o risco de ficar cega se olhar por muito tempo... Sem conseguir ver mais nada além dos castanhos reluzentes por todos os lados. E mesmo que eles me atraiam... Eu evito. Porque quero observá-lo por completo. Poder escrever poemas em cada centímetro da sua pele. A pele dourada que é quente e perigosa ao toque. Te deixa mais fissurada e viciada que piratas e suas procuras por tesouros. Ao te decifrar, lembrei de cada palavra de um texto sobre o sol e a lua. Mas não só isso. Lembrei de como o sol surgiu. De como me fez cair. Me apaixonar. De quando veio e esquentou minha alma. Chegou a queimar com tanta proximidade. Me vi rendida ao seu calor, desejando ser envolvida por ele mais e mais vezes. Derreteu meu coração. Aumentou minha paixão. E quando me olhou daquela forma... me despedaçou. Segundos depois me reconstruiu ao tocar seus lábios nos meus. Quando pude me acostumar com a luz... quando passei a ver só seu rosto... o sol se pôs. E não voltou mais. A lua surgiu e, em prantos, pedi ajuda para não me deixar levar pelo sentimento quando já era tarde. Mas ela também não podia fazer nada. A mesma já tinha se entregado para o sol. E dava a própria vida todos os dias, só para assim verem o quão lindo e majestoso ele é. Foi aí que me dei conta. Do motivo de sempre que a vejo, lembro dele. Porque, de alguma forma, eu sou como ela. Frágil e solitária. E assim como na história, ele até pediu a Deus que me desse as estrelas, porque não poderia estar comigo. Mas, mesmo que elas tentem me consolar, é em vão. Ele, com todo o seu brilho, é forte ainda que solitário, e finge ser feliz. Enquanto eu tenho companhia, mas sou fraca e não sei esconder a tristeza. E, em minhas diversas fases, sou minguante quando a dor é maior. Quase ninguém é capaz de enxergar meu brilho. E mesmo assim... Deus tomou a decisão de que nenhum amor é impossível, nem mesmo o deles. E então criou o eclipse. Só que na nossa curta história não houve um. Por isso, mesmo já sendo tarde demais... Me despeço de ti. Depois de tantas noites sem o nascer do sol. Sem a sua volta. Adeus, meu quase amor. Meu sonho sem esperanças. Meu anjo. Minha estrela maior. Te esquecerei... ou ao menos tentarei.

Sky. (Mingyu)Onde histórias criam vida. Descubra agora