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É engraçado como a vida pode mudar seu curso sem nos dar sequer um aviso prévio. Quando eu descobri que estava grávida senti que tinha perdido toda a liberdade de controlar meu destino, foi como se todos os planos que tinha feito – para dias, semanas e anos adiante – haviam se dissipado bem diante de mim.

Mas depois eu entendi.

Consegui enxergar que as coisas acontecem porque tem que acontecer. Se Helena existe, graças a Deus que existe! Aprendi com as pessoas ao meu redor que temos que encarar o que vier com amor e união e confesso que isso não faltava em minha vida. A minha família e a de Rodrigo derramaram tanta energia positiva em cima da nossa nova fase, que em meu coração tudo se tranquilizou.

E foi assim por bons e felizes meses. Trabalhar durante o dia com aquilo que eu amava, chegar em casa e ter um jantar com o homem da minha vida. Planejar coisas...

Andar pela casa e imaginar como todo aquele ambiente estaria preenchido por risadas e choros era um passatempo que me enchia de alegria e ansiedade.

Sentir o carinho de Rodrigo e a sua euforia a cada semana que passava na doce espera por nossa filha. Eu não tinha mais medo, eu só tinha amor. Eu me sentia completa.

E, por ironia do já mencionado destino e sem aviso prévio, de novo, o curso da vida chegou como um tsunami. Destruindo e carregando desenfreadamente pra longe tudo o que estávamos construindo.

Conseguia me lembrar, mesmo que em uma cama de hospital em intervalos de lucidez, do sentimento agonizante de ver sangue jorrando de mim, de desabar no chão do banheiro gritando de desespero, a água caindo forte sobre mim. Lembro-me de Rodrigo sussurrar meu nome, tão assustado, com o medo refletindo facilmente por seus olhos.

Me vestiu rapidamente em um roupão e me levou no colo até o estacionamento, com uma destreza que só esses momentos de angústia permitem. O barulho do nosso choro conjunto ainda ecoava em minha memória e provavelmente nunca sairiam de lá.

A lembrança me fazia chorar por todos os momentos em que estive acordada no hospital e ao receber alta me perguntava como conseguiria voltar à rotina sabendo que Helena, minha Helena, estava morta. Que meu pequeno raio de sol, que iluminou nossos dias de forma tão especial e única, não estava mais em meu ventre.

Atravessar junto com Rodrigo a porta do nosso apartamento, sabendo que éramos só nós dois dessa vez, trazia uma dor que eu nunca tinha sentido antes. Era solidão, vazio.

- Agatha. – Ele disse com uma mão em minhas costas, me guiando até o quarto. – É melhor você descansar um pouco.

- Não. – Sussurrei olhando em seus olhos. – Eu quero ficar no quarto dela.

- Não tem cama lá, meu amor, você tem que ficar confortável.

- Por favor, Rodrigo. – Senti as lágrimas caírem livremente pelo meu rosto. – Eu não quero ficar confortável, eu só quero minha filha.

Manteve seus olhos em mim, ponderando sobre a ideia. – Só espera um minuto que eu já volto.

Virou-se e andou até o nosso quarto, passando a mão pelo rosto tentando me esconder o choro que ele também não conseguia segurar. Voltou rapidamente com edredons e dois travesseiros. No quarto dela, esticou-os no chão e deitamos juntos. Estava aninhada a ele, da mesma forma que ficava todas as noites, mas dessa vez não tinha cantoria e nem conversa, só o nosso choro baixo.

- Você tem que comer alguma coisa. – Cochichou Rodrigo depois que adormecemos por meia hora.

- Você também.

- Eu não quero.

- Nem eu.

Permanecemos em silêncio por mais tempo do que consegui determinar, até o momento em que consegui a força para quebrá-lo. Sentei em nossa cama improvisada e ele fez o mesmo.

- As coisas dela ainda estão no nosso quarto? – Perguntei e Rodrigo assentiu em resposta. Estava olhando para baixo, tentando esconder a dificuldade que sentia ao falar.

- Nossas mães queriam vir antes de nós e arrumar tudo, mas eu não aceitei. É como aceitar a verdade e eu não quero. Eu não quero, Agatha.

Não consigo lembrar de nenhum momento desde que saímos do hospital em que não estivéssemos chorando, mas haviam momentos que o ato se tornava mais intenso. Esse era um desses.

Eu sabia que falar sobre o assunto nos ajudaria a aceitar a situação, mas ninguém consegue mensurar a dor que isso causa.

- Nunca saberemos quem ganhou a aposta, Rod. – Deixei a dor dominar meu corpo quando fui abraçada por ele. Minha voz saiu abafada quando continuei a falar. – Ela nunca vai usar os laços que comprei ou brincar com os brinquedos que você comprou. Esse quarto... Nós tínhamos tudo planejado, desenhado, sonhado... Agora não temos nada.

Ele não conseguia responder nada, mas era meu momento de externar tudo aquilo que não parava de rondar minha cabeça.

- Eu sei que demorei a aceitar a maternidade, mas, por Deus, Helena era meu maior tesouro. Ela me ensinou a amar de um jeito que eu nunca tinha conseguido antes. Era nossa bebê, Rodrigo, fruto da nossa união. Ela deveria estar aqui. – Apoiei minhas mãos na altura do meu ventre, ele pôs as suas por cima e nos fitamos. – Não era pra ser um lugar seguro? Não era, Rod? Eu não consegui cuidar da nossa filha.

- Não foi sua culpa, meu amor.

- Me perdoa, por favor. – Agarrei seu tórax em um abraço apertado, era mais fácil quando nossos corpos se apoiavam um no outro.

- Eu te amo, eu te amo mais que tudo nessa vida. Não me pede perdão, eu imploro. Você foi o melhor lar que nossa filha pôde ter. – Beijou-me os lábios rapidamente e secou as lágrimas do meu rosto. – Você me fez o homem mais feliz do mundo e o pai mais babão da história. Nós vamos ficar bem, eu tenho certeza, sabe por que? Porque tem um anjinho lá em cima olhando por nós, torcendo para que sejamos felizes. Nós vamos passar por isso juntos, prometo.

Nos mantivemos ali até o dia virar noite, tentando manter a calma e procurando uma paz que parecia não existir. As vezes ouvíamos o barulho de celular tocando na sala, mas quem quer que estivesse querendo conversar conosco, desistiu e respeitou nossa necessidade de se retrair.

Era provavelmente o momento mais difícil de nossas vidas e ele duraria por mais tempo do que seríamos capazes de imaginar.

Nada mais fazia sentido. Nossa casa não se parecia mais com um lar. Não fazia mais sol, tudo era cinza e frio. 

...

Espero que tenham tido uma boa leitura. 

Beijão <3

Ain't No Sunshine ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora