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Eu jamais conseguiria descrever todas as emoções que me invadiram quando li a carta de Rodrigo. O amor, a compreensão, a paixão, tudo isso estava pulsando em meu peito sem nenhuma pausa e era difícil lidar com elas. Porque não estavam sozinhas. Eu ainda não conseguia ignorar vazio e a falta. Não tenho certeza se todos conseguem entender o que se passa dentro de mim, a dor que uma mãe sente ao perder o filho é exclusiva à quem passa por isso.

Todo dia é um obstáculo diferente para ultrapassar e achei que seria mais fácil para todos se eu tentasse sozinha, só não tinha calculado o quão difícil seria pra mim. E saber que ele me esperava em casa só tornava tudo mais árduo.

Eu sentia muito a sua falta. Eu dormia e acordava todos os dias pensando em seu cheiro e no calor do seu abraço apertado. A sua ausência causava em mim uma sensação de solidão penosa.

Desde que saí de nossa casa as minhas madrugadas foram embaladas por pesadelos, a cada noite pior e mais sombrio. Foi só quando li suas palavras de afeto que tudo começou a mudar.

Em uma noite sonhei com o nascimento de Helena e tudo era tão lindo e cheio de cor, parecia real demais. Acordar foi como levar um soco no estômago. Na noite seguinte o sonho foi uma lembrança de quando Rodrigo me pediu em namoro e, de novo, acordar foi um maldito sofrimento causado pela saudade.

Na última noite reli sua carta e li novamente e de novo até pegar no sono. E sonhar foi como viver em uma realidade paralela.

Tudo era extremamente branco e havia uma névoa cobrindo tudo o que parecia ser um caminho. Era como o cenário do encontro de Harry e Dumbledore na estação King's Cross no último filme da saga. Permaneci sozinha por algum tempo, apenas sentindo o frio e ouvindo o zumbido do silêncio que foi interrompido por passos. Leves e curtos.

Na minha frente eu pude ver uma criança se aproximar e eu podia jurar que seu rosto era uma mistura perfeita do meu e de Rodrigo. Seu sorriso, meus olhos.

- Oi, mamãe. - Ela disse. Balançou o vestido florido e me sorriu sapeca.

- Helena? - Perguntei ao tempo que senti meus olhos arderem pelas lágrimas que se formavam.

- Sim. O que achou do meu vestido? Meu laço combina com ele? Eu sei que você ama laços! - Tombou a cabeça para o lado, com aquele ar inocente de criança.

- Você está linda, você é linda, meu amor. Eu estou morrendo de saudade. - Ajoelhei para ficar na sua altura e estendi meus braços chamando-lhe para um abraço. Senti seu corpo quentinho no meu, sua mãos pequenas afagando meus cabelos.

- Eu sei, mamãe. Eu também estou com saudade de você e do papai, mas tá tudo bem. Aqui é muito bonito, quer ver?

- Quero, quero sim. - Afirmei com a cabeça, sem conter o sorriso e o choro. Helena segurou minhas mãos e me levou pelo caminho que eu tinha visto antes, ao fim dele chegávamos a um campo aberto e florido. O cheiro era bom e o ar parecia um calmante para mim.

- Essa é minha casa agora. - Ela disse e sentou na relva baixa, me juntei a ela, sem conseguir tirar meus olhos da sua figura, hipnotizada pelos seus traços. Eram tão lindos.

- Eu não queria que essa fosse sua casa, filha. Seu lugar é comigo e com seu pai.

- Mas eu gosto daqui. E papai está certo, eu vejo vocês o tempo inteiro. Eu estou vendo você chorar, ele também chora.

- Nós sentimos a sua falta, meu bebê. Não sabemos como continuar sem você, volta comigo, por favor.

- Eu não posso mais voltar, mamãe. Mas você pode.

- Eu não quero, eu quero ficar aqui com você. - Falei desesperada, segurando suas mãos. Eu quem parecia a criança na conversa.

- Seu lugar é com o papai, eu gosto de ver vocês juntinhos, lembrando de mim. Mas eu não gosto de ver vocês chorando. - Fez um biquinho triste e pulou para o meu colo. - Aqui é muito divertido, mas eu fico triste quando vocês choram. Não chora mais, mamãe.

- Eu prometo, minha pequena, prometo que não vou mais chorar. - Limpei minha lágrimas e a abracei forte. - Eu te amo muito, eu e seu pai. Você é nossa princesa, nosso girassol, sempre vai ser.

- Eu amo vocês. - Deu um beijo estalado em minha bochecha e se levantou. - Agora eu preciso ir e você também.

- Não! Fica mais um pouco, filha. - Respondi rápido, me pondo de pé.

- Não posso. Vai ver o papai, tá bom? Tchau... Ah! A senhora ganhou a aposta de novo. E o papai estava certo, você é linda. Fala pra ele que eu sempre ouço Blackbird e lembro quando ele cantava pra mim. Mas agora eu tenho mesmo que ir embora, mamãe. Amo vocês!

- Não, filha! Fica! Filha! - Gritei sem parar, mas ela não estava mais ali. Olhei ao redor e eu já tinha voltado para àquele cenário parecido com Harry Potter. Dei espaço a um choro desesperado, chamando em gritos altos por Helena, mas eu estava sozinha.

Acordei em um susto no quarto que estava hospedada na casa da minha mãe, a respiração ofegante. Mesmo prometendo a Helena que que não choraria mais, era inevitável nessa situação.

A sua imagem ainda estava muito viva em minha mente perturbada pela confusão do que é real ou não. Foi como reacender todo o sofrimento que passei quando a perdi, mas de uma forma diferente. Como se fosse uma despedida da fase ruim para finalmente chegar ao estágio de compreensão.

Mas eu sabia que não poderia concluí-lo sozinha. Eu precisava de Rodrigo, precisava mais que tudo do seu abraço, da sua voz sussurrando em meu ouvido as palavras de calmaria que só ele sabia falar.

Procurei o celular em meio ao emaranhado de lençóis na cama, disquei seu número de modo automático, por pura mania de já tê-lo feito antes tantas vezes. Eu pude sentir a onda de tranquilidade em meu coração assim que ouvi sua voz me atender, seu tom ansioso me chamando de "amor" me fazendo sentir da mesma forma que ele.

- Eu preciso tanto de você. - Disse, com a voz entrecortada pelo choro que não havia cessado. - Vem me buscar, eu quero ir pra casa.

- Já estou a caminho. Me espera, por favor.

Deitei meu corpo na cama e tentei me acalmar, parar de chorar e focar em todas as palavras que me foram ditas em sonho.

Eu não tinha condições de saber quanto tempo esperei, só tinha a certeza de que, quando menos esperei, Rodrigo estava entrando pelo quarto tão rápido quanto podia. Pulou na cama como um desesperado e me aninhou em seus braços. Não disse nada, apenas sentiu minha retribuição e esperou que eu me sentisse pronta para falar. E eu tinha tanto a falar.

...

Tá todo mundo pronto pros dias de glória ou ainda posso insistir nos dias de luta?

Espero que tenham gostado. Beijão!

Ain't No Sunshine ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora