Isabel

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Eu estou contando a minha história de amor por Isabel, que já dura tantos anos, e estão me perguntando por que eu a amei em primeiro lugar. Bem, vou tentar explicar aqui, embora essas coisas não tenham explicação.

Muitos podem dizer que eu me encantei pela beleza dela, e embora Isabel seja linda, não foi isso. Eu conheço muitas mulheres bonitas e as conheci a vida toda. Eu tive muitas mulheres bonitas em todos esses anos. Mas não amei nenhuma dessas mulheres, então não, não foi pela beleza de Isa.

Não sei dizer mesmo o motivo, mas vou falar dela aqui, para vocês tentarem entender o quanto aquela mulher é fascinante e especial.

A primeira coisa que me chamou a atenção nela, foi seu senso de humor. Isa era naturalmente engraçada. E simpática também. Quando eu cheguei para estudar na turma dela, Isabel foi a primeira pessoa que conversou comigo, e ela me tratou com tanta naturalidade, como se me conhecesse há tempos. E ela sorria sempre e conseguia arrancar sorrisos de mim o tempo todo.

Ela viu que eu estava com dificuldades para compreender as atividades que estávamos fazendo juntos. Ela não sentia dificuldade nenhuma, poderia pegar e fazer tudo sozinha, e então ir embora mais cedo. Ao invés disso, ela me explicou pacientemente cada questão, cada resposta e ainda passou a ser minha tutora naquela matéria. Nós sempre fazíamos os trabalhos juntos e estudávamos na biblioteca. Mas não por que ela precisasse estudar. Eu percebi que Isabel nunca fazia anotações na aula, mas ela sempre sabia tudo. Era muito fácil para ela.

A Isa era inteligente e muito culta. Ela entendia de artes, filosofia, ciências, política. Tinha opiniões embasadas e convicções fortes, mas era sempre paciente para ouvir outros pontos de vista e respeitava a diversidade de opiniões. E ela tinha um gosto musical excelente.

A primeira vez que saímos juntos, fomos em um bar de rock. Isabel me disse que o primo ia tocar e me convidou para ir com ela. Eu não gostava muito de rock, mas gostava de passar tempo com minha amiga, então eu fui. Isabel estava muito animada, ela pulava, gritava e cantava, empolgadíssima. Eu achei graça.

—Não achei que você fosse rockeira!

—Eu não sou. Eu prefiro MPB.

Em certa altura do show, o vocalista convidou a prima para o palco e Isabel subiu. Ele lhe entregou um violão, e ela tocava muito bem. Ela assumiu o vocal também. Fiquei muito surpreso ao notar a voz forte, doce e afinada da minha amiga quando ela começou a cantar a versão acústica que a banda fazia, de uma música do Iron Maiden:

Maybe one day I'll be an honest man/ Up 'til now I'm doing the best I can/ Long roads, long days, of sunrise, to sunset/ Sunrise to sunset

Quando terminou a música, ela colocou o violão de lado. A banda começou a tocar acordes mais pesados. Para minha surpresa, ela continuou no palco e me surpreendeu mais uma vez com seu vozeirão:

Can't stay at home, can't stay at school./Old folks say 'You poor little fool'./Down the streets I'm the girl next door./I'm the fox you've been waiting for./Hello, daddy. Hello, mom./I'm your ch-ch-ch-cherry bomb!/Hello world! I'm your wild girl./I'm your ch-ch-ch-cherry bomb!

Quando ela desceu do palco, eu estava boquiaberto:

—Eu não sabia que você tocava! Muito menos que você cantava desse jeito!

—Minha família é muito ligada à música. Meu avó era músico. Meu tio, o pai do Paul o—Ela falou apontando para o primo guitarrista—É maestro da orquestra do teatro municipal. O Paulo estuda música. Minha mãe já foi cantora. Todo mundo da família canta e toca algum instrumento.

Achei aquilo tão legal e sexy, que um pensamento louco passou pela minha cabeça, e foi embora tão rápido quanto veio: "Deve ser o máximo namorar uma mulher que canta e toca desse jeito."

Sim, essa foi a primeira vez que pensei na Isabel desse jeito. Na hora não achei que estava pensando nela, mas agora, me parece bem óbvio que eu já estava me apaixonando por ela.

E Isabel realmente gostava de música. Ela parecia conhecer todas, as boas e as ruins. Ela conhecia música clássica, mpb, até funk. Sempre que ela estava sozinha, ela usava fones de ouvidos e cantava junto com a música que tocava. E ela odiava ser interrompida quando estava cantando. Você poderia falar com ela, que ela não responderia, até a música acabar, aí ela tirava os fones de ouvido e passava a te dar atenção.

Outra curiosidade em relação às músicas, é que ela tinha uma para cada situação. Era comum ela responder a uma pergunta ou dar algum exemplo usando músicas. As metáforas musicais dela eram infinitas e variadas. Eu adorava isso.

E ela dançava também. E muito bem.

Eu adorava vê-la dançar. Nós íamos todas as sextas-feiras a uma roda de samba perto do campus. Eu adorava vê-la sambar. Eu nunca tive samba no pé, mas ela sambava divinamente. Todo mundo queria fazer par com ela, o que acabava me obrigando a sambar também. Ela ria do meu jeito esquisito de sambar e dizia que era sexy.

Isa era ávida por leitura. Livrarias e bibliotecas estavam entre seus passeios favoritos. Ela lia em um ano o número de livros que eu li a minha vida toda. Deve ser por isso que ela sabia tantas coisas.

Isabel sempre foi uma menina simples, que não gostava de se exibir. Mesmo com tanto conhecimento, ela nunca foi arrogante. Ela não gostava de usar roupas de grife, suas roupas eram simples. Ela gosta de artesanato, cozinha bem, gosta de teatro, cinema e exposições de arte. Ela sempre me arrastava com ela para algum programa cultural.

O trabalho dos sonhos de Isabel não tinha nada a ver com ganhar dinheiro. Ela sonhava em morar em uma cidade litorânea e trabalhar com a natureza. Era apaixonada por tartarugas, peixe-boi e todas as espécies de animais e plantas. Ela queria trabalhar no IBAMA, no projeto Tamar ou qualquer parque, principalmente se fosse no litoral. Sonhava em morar em uma casa pequena e simples, cercada de mato e bichos.

—Quero ter três filhos! — Ela dizia.

—Quero ter três filhos e morar no mato. Podemos nos casar!

Ela ria quando eu brincava assim. Mas ela não sabia que eu só queria isso com ela.

Eu acabei me tornando advogado, ganhando muito dinheiro, indo morar em um apartamento grande e confortável na área nobre da cidade, sem filhos e infeliz.

Mas tem uma coisa que eu não entendo direito: O cheiro da Isabel. Eu não sei se foi o cheiro dela que me fez apaixonado por ela, ou se o fato de estar apaixonado fazia com que o cheiro dela fosse tão bom.

Isabel não usava perfumes, nem nada que tivesse cheiro. O cheiro bom exalava da pele dela, e era o cheiro dela. Era maravilhoso. Eu podia estar em um lugar cheio de pessoas e cheio de odores, mas quando ela chegava, eu notava o cheiro dela e ele se sobressaia no lugar. Ele ficava nas minhas roupas, no meu carro, nos meus lençóis. E o cheiro dela me acalmava e fazia feliz.

—São meus feromônios Carlos! Você tem um bom faro. — Ela dizia.

Estranhamente, eu tinha um bom faro, mas apenas para ela. Eu sentia o cheiro dela de longe e a reconhecia pelo cheiro, a qualquer hora e em qualquer lugar.

E o sexo? Definitivamente, até hoje eu não experimentei nada parecido com o sexo que eu tinha com Izabel. Nós nos entendíamos tão bem, nossos corpos se encaixavam tão perfeitamente. Combinávamos em tudo.

O sexo era quente e intenso, despudorado, forte e violento (às vezes), mas também era doce, terno, carinhoso, profundo. Tudo era certo em se tratando de nós dois, tudo era natural.

Eu sinto falta disso.

Eu quero isso tudo de volta.

Eu terei isso de volta um dia. Eu acredito nisso, com todo o meu coração.

Amor, em primeira pessoaOnde histórias criam vida. Descubra agora