Até o fim

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São sete da manhã e eu ainda estou deitado em minha cama. Nesse horário eu normalmente já estou de pé, tomando meu café antes do trabalho, mas não nesses dias.

Isabel está do meu lado, dormindo. Hoje completamos 38 semanas de gestação e nosso filho está cada dia mais próximo de nós.

Gosto de ficar olhando minha mulher dormir. Essas noites quentes são desconfortáveis para ela, que dorme nua. Ela demora a pegar no sono, remexendo-se desconfortável na cama, até encontrar uma posição na qual ela consiga respirar bem e encaixar a barriga. Eu me deito atrás dela, encosto meu peito em suas costas e fico acariciando seus ombros e cabelos, até ela pegar no sono, pois assim ela consegue relaxar. Então, eu olho para ela e fico admirando-a.

Isabel é uma mulher tão forte e eu sinto tanto orgulho ao vê-la carregando meu filho. Eu coloco a mão em sua barriga enorme e sinto o bebê se mexer. Em algumas noites ele está calmo, mas em outras, ele se mexe tanto que eu consigo vê-lo serpenteando na barriga da mãe. Nessas ocasiões, Isabel não consegue dormir muito bem. Hoje João está quietinho.

Eu escolhi o nome do bebê. Isabel disse que, como eu não participei da escolha dos gêmeos, eu poderia dar o nome que quisesse pro bebê. Não foi bem assim, porque ela vetou os três nomes anteriores. Mas ela gostou de João, estão esse será o nome do nosso caçula.

Eu fico olhando minha esposa na cama e pensando no quanto ela é bonita. Eu já achava o corpo de Isabel fenomenal, perfeito, mas agora, vendo-o se transformando para abrigar o meu filho, eu entendo o que é perfeição de verdade. Isabel é uma verdadeira Deusa!

Eu vejo os seios dela, e eles estão lindos, maiores e cheios de leite, para alimentar nosso bebê. As marcas em sua pele, a cicatriz da cesárea anterior, tudo é lindo, tudo me lembra a mulher incrivelmente poderosa que ela é. Eu sou muito privilegiado por ser seu marido.

Isabel começa a se mexer, e eu sei que ela já vai acordar. Eu me pergunto como ela estará hoje. Tem dias em que ela acorda com raiva, irritada, empurra minha mão e reclama que está com calor, ou que não consegue se mexer. Em outros dias ela acorda assustada, perguntando que horas são e se levanta rápido. E tem dias, esses são os meus preferidos, em que ela acorda doce e carinhosa. Cada dia é uma surpresa.

Hoje é um dia bom. Isabel abriu os olhos e virou-se para me olhar, então sorriu e esticou os braços para me abraçar. Eu a beijei no rosto e ajudei-a a se levantar.

—Você não vai trabalhar hoje?

—Nao amor, nós temos consulta com sua médica hoje. Vamos ver como está o João.

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Terminamos a consulta e está tudo certo com o bebê e com Isabel. Os dois estão saudáveis mas ele ainda não está pronto para sair. Ainda temos 3 semanas para esperar, mas Isabel está nervosa.

O parto dos gêmeos foi complicado. Ela começou a sentir as contratações com 38 semanas e foi ao hospital para um parto normal, mas os bebês não conseguiam sair sozinhos, então foi preciso fazer uma cesárea de emergência. Os gêmeos ficaram sem ar por alguns minutos e tiveram que ser entubados assim que nasceram, isso assustou muito a Isabel. Ela diz que não quer ter que passar por isso novamente e quer marcar a cesárea o quanto antes. A médica e eu estamos tentando convencê-la a esperar mais um pouco. Ela concordou em esperar até a semana que vem.

Nós temos uma sessão de fotos essa semana. Eu tirei muitas fotos da gravidez de Isabel. Ela fez sessões sozinha, com os gêmeos, comigo, com a família toda. Eu tenho centenas de fotos dela, todas lindas. Quero me lembrar de cada momento dessa gravidez, e mesmo reclamando, ela entende minha obsessão e concorda em realizar esse meu desejo.

Isabel não foi trabalhar hoje. Eu precisei falar com um cliente a tarde e quando voltei para casa, ela estava com os gêmeos. Raul e Raquel estavam massageado os pés e as mãos de sua mãe, e ela estava cochilando. Eles estão sendo maravilhosos: Cuidam da mãe, ajudam a avó e participam de todos os momentos. Os dois foram a algumas consultas conosco, ajudaram a montar o quarto do irmão, escolheram roupas e brinquedos, falam com o irmão na barriga da mãe.

Raul e Raquel tem 9 anos agora, e eles são tão maduros e inteligentes, que eu fico em dúvida se eles são crianças normais. E eles estão animados com a chegada de João, e isso nos deixa felizes.

Tivemos muito medo da reação dos gêmeos no início. Eu especialmente, tive medo de que eles se sentissem rejeitados ou menos amados, por que eu não estava na vida deles desde o início. Mas nós conversamos muito com eles, explicamos o porquê da minha ausência e o quanto eles mudaram minha vida e me fizeram bem.

—Nós sabemos papai. Não fique preocupado, nós não vamos ter ciúmes do João, ele é nosso irmãozinho e nós vamos cuidar dele.

Eu sorrio orgulhoso, pensando no quanto meus filhos são especiais.

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Uma semana se passou e nada de João nascer. Isabel quis marcar a cesárea e eu não pude me opor, era esse o combinado.

Fomos a consulta no dia em que completamos 39 semanas e a médica marcou a cesárea para dali a 3 dias, as 08 horas da manhã.

Na noite anterior, Isabel se preparou, fazendo sua última refeição as 20 horas, ela teria que estar em jejum, por causa da anestesia. Às 21:30 fomos dormir. Perto da meia-noite, Isabel me acordou. Disse que estava sentido dor e achava que eram as contratações. Fomos para o hospital.

A cesárea estava marcada para as 08 da manhã, mas às 07, João nasceu em um parto normal. Ele e Isabel estavam bem e eu estava emocionado.

Eu estive com Isabel o tempo todo, assisti o parto, ajudei e confortei minha esposa e amparei meu filho quando ele veio ao mundo. João era tão pequenininho e indefeso que eu o peguei em meus braços e quis mantê-lo ali, protegido, guardado.

Isabel chorava e pedia pelo filho. Eu lhe entreguei o bebê e ela o beijou na cabeça, chorando de felicidade. Eu parei perto deles e fiquei olhando os dois juntos. Eles eram lindos! Minha mulher, forte e corajosa, minha Deusa e seu pequeno milagre! Eles eram a verdadeira definição de perfeição.

Depois da escola, os gêmeos foram ao hospital com sua avó. Foi lindo ver meus filhos mais velhos com o irmãozinho.

É engraçado pensar na minha vida no ponto em que estou agora. Eu penso no homem que eu fui um dia e nas coisas que eu julguei como prioritárias na minha vida e percebo quanto tempo eu perdi, procurando felicidade na carreira, no dinheiro, em coisas materiais. Eu penso no tempo que eu perdi, tentando ser outra coisa. Mas aí eu penso em como, no fim, tudo se encaixou. Será que se eu tivesse seguido por outro caminho, eu teria conquistado a felicidade no fim?

Concluo que, mesmo errando no começo, o caminho que trilhei me trouxe até aqui, à felicidade plena. Eu fui infeliz por muito tempo, era um homem frustrado, mas amadureci e gosto de quem eu sou hoje. E eu sei que a mulher que está comigo é feliz, nossos filhos são felizes, nossa família é maravilhosa.

Eu amei a mesma mulher a vida toda, e hoje, o tempo em que estivemos separados parece tão distante e sem importância, tudo o que importa, é a vida que temos agora. E eu consigo me ver no futuro ao lado dela.

Eu consigo ver, nossos filhos crescendo e conquistando seu lugar no mundo. Consigo vê-los estudando, iniciando uma carreira, encontrando o amor e vivendo suas próprias histórias. Vejo nossos netos correndo pela nossa casa, pulando em nossos colos e beijando nossos rostos enrugados.

Vejo Isabel, com os lindos cabelos grisalhos e as marcas do tempo no corpo, tão linda como sempre foi, beijando meu rosto envelhecido, nossas mão enrugadas entrelaçadas, enquanto andamos pela praia de manhã. Posso ver nós dois, sentados na varanda, olhando o sol se pôr no fim da tarde, sua cabeça descansando em meu ombro, o cheiro do seu cabelo fazendo cócegas em meu nariz.

Sei que nós dois ficaremos juntos por muitos anos, e estaremos juntos no final. E se há uma vida depois desta, lá eu ainda a amarei, para sempre. Para sempre Isabel.

FIM

Amor, em primeira pessoaOnde histórias criam vida. Descubra agora