9 || Oposições

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Na manhã seguinte, acordei com um berro da minha mãe.

Levanto-me rápido e corro, seguindo o som da voz da minha mãe.

Alcanço a maçaneta da porta da cozinha de casa e pressiono-a.

Quando penetro do pequeno espaço, vejo a minha mãe e pergunto, com a voz a ser consumida pelo medo:

- O que aconteceu?!

- Só me queimei com um pouco de água a escaldar.

Olho para o seu lado direito e logo percebo que estava a preparar um chá. Isto é que eu não esperava. Viro as costas à minha mãe e vou outra vez para o quarto.

Deito-me de barriga para cima na cama e ponho as mãos atrás do pescoço, deixando as axilas ao ar. Sinto-me bastante confortável assim, não sei bem porquê.

Ainda estou espantada de a minha mãe me ter aceitado de volta em casa. Eu não aceitaria se fosse a minha mãe, mas pensando bem, eu não sou a minha mãe.

Ontem, quando o Josh me levou ao hotel, a minha mãe já tinha as nossas malas feitas e estava mais que pronta para ir para o aeroporto. Fiquei a pensar neste assunto durante muito tempo durante a viagem de regresso a casa, porque se eu pensar bem, ela não sabia onde eu estava e muito menos poderia saber se eu voltaria ou não.

Quer dizer, eu não teria muitos sítios para onde ir em Espanha e também não tinha dinheiro para pagar um bilhete de avião para a América, por isso, acho que a inteligência da minha mãe venceu desta vez. Era mais do que óbvio que eu iria voltar e isso irrita-me muito.

Sei que de alguma forma estou presa à minha mãe, por isso, só queria mostrar-lhe que sou independente, queria mostrar-lhe que não preciso dela e que, para eu ficar, teria de me tratar como uma pessoa com direitos.

De alguma forma, sinto-me mais distante da minha mãe, eu sei que ela não sente o mesmo, porque age como se eu só tivesse ido apanhar ar naquele dia. Sei que ela está a adiar a conversa que eu sei que temos que ter.

Quanto ao Josh, acho que nunca mais o vou ver na minha vida. Aquele beijo foi sensacional... Eu não sei quem ele é, nem sei de onde vem. Só sei que o pai dele esteve na guerra com o meu e morreram lá os dois. Também não sei o que é que ele faz além de montar bancadas em países de continentes diferentes. Agora que penso bem nisto tudo, esta história não está a fazer sentido nenhum. Ele é contratado para montar a porcaria de umas bancadas em Espanha? A empresa até teve que pagar um bilhete de avião caríssimo. Em Espanha deve haver imensos homens que sirvam para montar bancadas. Porque haveriam de contratar alguém do outro lado do oceano?

Seja como for, este rapaz não é de confiança. E disso eu tenho a certeza. Ele pode dar os melhores beijos do mundo, mas não é de confiança!

# FLASHBACK #

Estas nuvens não têm qualquer forma. São só manchas brancas! Que irritação! Só queria relaxar um bocado a ver nuvens com formas e não vejo nenhumas formas!

Sinto alguém a deitar-se a meu lado: Josh.

- Estás a ver as nuvens? - ele pergunta.

- Sim... - espero que ele não repare que estou irritada.

- Uma vez, o meu pai disse-me que as nuvens transportavam sonhos de crianças, de um lado para o outro. E era por esta razão que eu tinha pesadelos, de vez em quando, porque entrava uma nuvem com um pesadelo em minha casa e esse pesadelo pertencia a um menino mau que fazia disparates - uma risada sai da boca dele e eu sorrio.

Lembro das histórias do meu pai. Um dia, estávamos no parque a brincar os dois à apanhada e eu tropecei. Lembro-me que chorei imenso, porque via muito sangue a sair do meu joelho. Então, o meu pai sentou-me ao meu lado e disse "Fecha os olhos." e depois mandou-me abri-los e quando os abri, a dor tinha desaparecido. Este foi um dos poucos momentos que partilhei antes de o ver partir para a guerra.

- Estás a chorar? - oiço Josh perguntar.

- Não, foi a luz do Sol.

- Olha para mim - olhei.

- Beija-me.

- Eu não vou fa...

Fui interrompida pelos seus lábios.

# TEMPO PRESENTE #

Oiço a minha mãe a chamar-me da cozinha, o que me desperta do meu sonho acordada.

Levanto-me da cama, pela segunda vez hoje, e encaro-a na cozinha.

- Olha Diana, acho que não agiste bem comigo ontem.

- Olha mãe, acho que não agiste bem comigo desde que eu nasci - agora sou uma bomba a explodir, e desta vez ninguém me para.

- Desculpa..?

- Ouviste-me bem, mãe - digo.

Não vou aturar este comportamento da parte dela! Ela tem que perceber que eu também tenho as minhas ideias!

- Diana, eu sempre agi da forma que achava melhor para ti... - ela afirma.

- Pois mãe, então achavas mal!

Sinto lágrimas a ameaçar sair, mas não as deixo porque não posso dar ponto fraco ou ainda perco esta discussão, como perco todas.

- Diana, nunca foste de te opor a mim... - a minha mãe responde-me.

Há uma coisa que me está a irritar bastante: a minha mãe não parece afetada. Enquanto que eu estou a fazer um esforço enorme para não chorar, a minha mãe está a fazer um esforço enorme para não se rir de mim.

- Pois mãe, mas se calhar está na altura de começar a fazê-lo!

- Diana, vai acalmar-te para o teu quarto, por favor.

- Não.

Esta Rachel Mars, que eu até tenho vergonha de dizer que é minha mãe, vai ter de perceber que não me pode tratar como lixo. Eu sou um ser humano e tenho tanto direito de gritar com ela, como ela comigo.

A minha mãe levanta a mão para me dar um estalo mas eu paro-a, quando a sua mão se encontra a centímetros da minha bochecha.

- Tu não me podes bater.

A minha mãe parece ficar sem reação, mas diz:

- Esta não é a minha filha.

- Esta é a tua filha. A outra rapariga que conhecias, ou que pensavas conhecer pode ser tudo, menos tua filha. Aquela que estavas habituada a ver todos os dias é um robô que criaste, é o robô que me tornaste - lágrimas começam a escorrer pela cara da minha mãe, mas continuo - Sim, mãe. Esta sou eu. E quando pensavas que eu estava a ouvir o que tu me dizias, eu estava a fazer aquilo que tu fazes, aquilo que me mostraste que devia ser feito, ignorar. Sabes que mais mãe? Eu no estádio, depois de ter discutido contigo, encontrei uma família amorosa, que me conhecia. Catherine era o nome da mãe e Amy da filha. O marido chamava-se Bob e sabes porque é que eu ainda sei o nome deles? Porque eles marcaram a minha vida. E sabes porque é que eu sei o teu nome? Porque mo esfregaste na cara, quando eu era bebé. Tinhas medo que eu não o decorasse, devias ter tido medo que eu não te amasse, em vez disso. Mas não... Tu és assim e como se costuma dizer "não gostas, vai embora", e é isso que eu tenciono fazer assim que tiver idade suficiente para sair desta casa! Estes anos todos tens-me usado para conseguires dinheiro! Não sei se tens noção mãe, mas eu nunca gastei o dinheiro que recebi! Chegava a casa e tu tinhas um penteado novo todos os dias. Era isso que fazias: ias ao cabeleireiro. E enquanto vivias essa tua vida, eu vivia a minha infeliz. Cortei todas as relações que tinha com toda a gente com medo de as perder quando decidisses que eu iria seguir ginástica, independentemente do que eu quisesse. Por isso não me venhas com essa merda do "Olha Diana, acho que não agiste bem comigo ontem..." porque quem não agiu bem foste tu e não foi só ontem, foi toda a minha vida.

Diana MarsWhere stories live. Discover now