Nova Iorque 20 de julho 1998

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Uma mulher caminhava pela calçada equilibrando-se com alguma delicadeza sobre os saltos encarnados, a sacola de compras colada em sua mão direita não parecia incomodá-la em momento algum, tampouco a bolsa de cabedal com a alça pendurada em seu ombro. Tinha um cigarro aceso entre os finos dedos da mão esquerda e de tempo em tempo elevava-o até aos lábios avermelhados, tudo com a mesma facilidade com que mulheres executam mil atividades num único momento.

A noite fazia-se madrugada com uma leve onda de frio, do outro lado da calçada um casal marcava passos lentos de braços entrelaçados e um grupinho de jovens cobertos pelas rasgadas jeans justas e casacos de napa erguiam suas latas de cerveja dizendo pequenos disparates e  engasgando-se em gargalhadas embriagadas enquanto tropeçavam em seus próprios pés.

Tão tarde só pequenos bares e pubs desérticos teimavam em encerrar as portas e talvez apenas meia dúzia de táxis amarelados ainda circulavam por aquele lado da cidade.

Ela lançou o olhar pra cima de seu ombro e avistou um homem vestido de negro com um chapéu de abas largas a encarando com um malicioso sorriso entre os lábios. Infelizmente, como muitas mulheres bonitas Sarah Parker estava acostumada a isso, aquele não era o primeiro idiota a olhar pra ela com a malícia de uma hiena esfomeada na presença de um suculento pedaço de carne. Ela deixou cair o cigarro e esmagou o que restava dele com a sola dos sapatos, acendeu outro quase que em seguida e continuou sua caminhada pela rua parcialmente iluminada.

Estava agora a poucos quarteirões do edifício onde vivia, podia ver a luz acesa de seu apartamento no fundo da rua quase que chamando por ela, faltavam-lhe cinco minutos de caminhada, algo mais ou algo menos, sentia-se observada embora estivesse agora caminhando pela rua deserta, era como se um par de olhos a estivesse perseguindo ainda que a metros de distância, apressou seus passos e os sapatos tocavam o chão num ritimo cada vez mais violento.

-Sarah Parker!-uma voz masculina chamou por ela quebrando o silêncio.

"Não se vire, continue caminhando" disse pra si mesma e continuou seu trajeto como quem não ouvira absolutamente nada, trocando os passos gelada de medo, seus pés pareciam pesar o dobro naquele momento.

-a senhora é Sarah Parker!?-o homem insistiu agora quase a agarrando pelo fino braço numa atitude claramente ameaçadora.

ela virou-se e deu de cara com o mesmo homem que a observava instantes antes, o chapéu e a barba em volta da face camuflavam um rosto que apesar de tudo não era estranho para Sarah, sabia que já havia topado com ele em algum lugar, definitivamente não era um completo desconhecido.

-o que o senhor quer de mim afinal?-ela defendeu-se com alguma hostilidade.

O homem bombardeou-a outra vez com aquele sorriso, esquivando o rosto pôs a mão por baixo da camisa negra e tirou da cintura uma pistola nove milímetros aparentemente já carregada e com um fino silenciador beijando o cano, sem dizer uma única palavra apontou-a em direção a cabeça de Sarah Parker que mal teve tempo pra qualquer reação.

Três disparos abafados ecoaram pela noite silenciosamente,as três balas penetraram com violência o corpo de Sarah Parker que caiu na calçada com estrondo vendo tudo o que carregava se espalhar violentamente pelo chão.

Nunca sentira tanta dor desde que se conhecia por gente era como se um comboio desenfreado acabasse de lhe passar por cima, sentia que a vida fugia de si sem se quer dar-lhe a oportunidade de agarrar-se a ela com unhas e dentes.

Diz-se que os últimos instantes de vida são como um filme rodando em nossa cabeça de forma instantânea, um conjunto de memórias com maior ou menor significado, naquele momento Sarah sentiu isso na pele, lembrou-se desde a primeira boneca magricela que ganhara de sua mãe, do seu rosto vitorioso enquanto exibia o diploma na formatura, a cerimónia de casamento quase perfeita em Miami até ao nascimento da sua pequena filha Liliane Parker. As lágrimas correram pelo seu rosto quase que de imediato, não por estar morrendo, ela sempre soube o quanto a vida é frágil, mas por estar deixando seu fiel companheiro e sua filha de apenas quatro anos de idade num mundo cada vez mais perigoso, ela sabia que nunca mais contemplaria seus olhos acastanhados e seus cabelos negros numa manhã ensolarada, estava partindo e não podia dizer adeus aos maiores amores que alguma vez teve, seu coração batia preguiçosamente enquanto ela se esvaía em sangue e a dor em seu corpo confundia-se agora com um intenso vazio na alma.

O homem agachou-se até ao rosto de Sarah, com a palma da mão vestida de uma luva sufocou-a até se certificar de que não havia uma única gota de vida em seu corpo.

-não me leve a mal senhora Parker, não é nada pessoal.sem sobreviventes, sem testemunhas.-ele sussurrou.

Com um sorriso nos lábios aquele homem marcou passos pela rua até fazer-se desaparecer por completo na noite escura como se nunca estivesse estado ali, deixou pra trás o corpo de Sarah que se tornava mais frio e pálido a cada momento, abandonado em uma esquina como um simples pedaço de carne.

À SETE CHAVESWhere stories live. Discover now