Quando as flores sangram

Irmãos

   Assim que saiu do quarto de Titânia, Cristopher avistou Salomé com uma expressão um tanto quanto raivosa. Era algo típico dela, ser uma baixinha enérgica e sempre ter uma pitada apimentada de ódio.

   Saíram da Área 51 em passos cautelosos e com expressões sérias, o ursinho de pelúcia escondido no casaco de Cristopher conseguiu passar pela segurança do local. Um fato realmente surpreendente, mas já esperado por ele, que lá fora riu sabendo o quanto era realmente igual ao ursinho de pelúcia.

   Já no carro de Salomé, decidiu adormecer no caminho, abraçava a pelúcia enquanto no rádio tocavam as músicas favoritas de Salomé. Era algo que soava como Coldplay ou Maroon 5, Cristopher não saberia identificar, pois suas músicas favoritas eram as mais antigas (algo como Bon Jovi e Scorpions).

   Após algumas horas de viagem, a gasolina acabou, o sol estava começando a se pôr. Com dó de simplesmente acordar aquele sujeito decadente que repousava em seu carro, Salomé decidiu descer sozinha no posto de gasolina.

   Enquanto o carro era abastecido, entrou na lojinha de conveniências e começou a procurar algo interessante. Pediu três lanches, batatas fritas com bastante cheddar e um litrão de seu refrigerante favorito.

   Logo, retornou ao carro e acordou Cristopher com uns tapinhas carinhosos em seu rosto. Ele riu, em seguida se surpreendeu com a grande quantidade de comida que Salomé havia colocado ali no banco traseiro. Então, perguntou:
   -Caramba, me tirou desse soninho divino para trazer um monte de comida?

   -Pode pegar um lanche para você, mas, boa parte dessa comida é para dois amigos meus. Quer mais alguma coisa por acaso?

   -Hmmm... Tenho uns trocados, eles vendem pirulitos?

   -Sério? Pirulitos?!

   -Sim, não se lembra de como eu adorava comprar esses docinhos baratos quando estávamos no ensino médio?

   -Sim, eu me lembro. Sempre na saída você estava segurando um cabo de pirulito entre os dedos, como se fosse um cigarro pronto para ser fumado.

   Ele riu, simplesmente saiu do carro e se dirigiu até a pequena lojinha no posto. Pegou alguns trocados que tinha nos bolsos de seu casaco, comprou aqueles famosos pirulitos em forma de coração.

   Logo, colocou um dos pirulitos entre seus belos lábios, puxando-o para dentro com sua língua ágil. Salomé olhou aquilo um tanto quanto pasma, ligou aquilo aos boatos que ouvia sobre o amigo mulherengo.

   Retirou de um dos bolsos dele um pirulito e colocou em sua boca mais que rapidamente. Dirigiu em alta velocidade enquanto o moreno protegia os alimentos de caírem pelo carro.

   Em pelo menos meia hora, estavam estacionados em uma rua sem saída completamente escura e abandonada, aquilo parecia-se com uma pequena cidade fantasma. Salomé novamente desceu do carro, calmamente disse:
   -Cris... Irei lhe apresentar duas pessoas, que você deve manter em total sigilo.

   -Claro, não se preocupe. Sabe bem que guardo seus segredos como ninguém.

   -Bem, nem sempre... Enfim, vamos até aquela pequena casa em ruínas... É lá que se escondem.

   Cristopher não se surpreendeu, esperava qualquer coisa após tudo que havia visto. Poderiam ser criaturas, experiências, máquinas ou até mesmo aliens.

   Porém, após Salomé bater na porta, um jovem com um sobretudo preto e uma menininha com um vestido branco saíram. Ele tinha um olhar morto, ela tinha um olhar inocente e vívido.

   -Titia! - A garotinha disse, abraçando Salomé. - Eu sabia que o Lon estava errado! Você voltou para nos salvar!

   -Sim, sim... Vocês estão com fome? - Ela disse, com um sorriso simpático diferente da sua expressão fechada de sempre. - Comprei alguns lanchinhos!

   As crianças entraram na casa decadente com os alimentos, porém Cristopher puxou Salomé para um canto e perguntou:
   -O que há de errado com eles?

   -São como a Kali... Lon tem o poder de controlar as sombras e Amaterasu controla a luz.

   -Bem... O governo testou o FAR em quantas pessoas afinal?

   -Pelo menos 100... Mas apenas 20 tiveram a aceitação total do composto, os outros não tiveram um final feliz. Acredito que existam 5 sobreviventes do massacre das crianças defeituosas.

   -Mas... Eles são tão novos...

   -Cris, é um mundo cruel, entende?

   -Sim, eu entendo.

   Se encararam num breve silêncio, até entrarem juntos na casa. Amaterasu continuava a comer, enquanto Lon simplesmente se deitava despreocupado no sofá velho.

   Seus olhos completamente negros eram extremamente peculiares, a franja com mechas roxas que caía por sua face parecia ter vontade própria. E curioso, Cristopher se aproximou do garoto.

   -Lon, como você sente? - Perguntou, tentando puxar uma amigável conversa. - Quando eu tinha sua idade também era assim.

   Soprando a franja para um pouco longe de seu olho esquerdo, Lon simplesmente respondeu:
   -Bem cara, eu tenho dezesseis anos e minha alma está extremamente perturbada... A minha única luz é Amaterasu, minha irmãzinha. Ah, aliás, não diga a ninguém, mas cultivo um sentimento platônico por Salomé...

   -Salomé? Ela tem um coração de gelo! Como foi se apaixonar?

   -Ela é... Fofa, carinhosa... De um jeito peculiar, é claro.

   -Garoto, você não sabe onde está se metendo! Mas enfim, boa sorte, aliás... Pode me fazer um favor?

   -Qual seria?

   -Conhece uma mulher chamada Kali? Eu estou a procurando.

   Ele fez uma expressão de completo espanto, Amaterasu acidentalmente ouviu aquilo e se aproximou com uma pequena folha de caderno. Havia um desenho nela, uma mulher em frente a uma caverna.

   -Kali... As estrelas dizem que ela foi para as montanhas!
A garotinha disse, com um sorrisinho suave que apenas ela poderia ter.

   Parece que além de manipular e criar luz, Amaterasu tinha uma espécie de clarividência. Aqueles poderes tinham um contraste interessante com os poderes obscuros de seu irmão, algo com yin e yang.

   Surpreso, Cristopher simplesmente agradeceu a garotinha, deu a ela um de seus pirulitos e com coragem falou:
   -Salomé, Lon, Amaterasu... Agradeço vocês por esses momentos aqui, mas, irei partir em busca de minha deusa! Se cuidem, em breve retornarei...