Conto 7

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A obrigação em ser quem você poderia ser não adianta se a vigilância quase te impede de viver, quiçá respirar. Deve ser pitoresco, e porque não divertido para quem controla a vigilância e tem a opção de ser quem quiser.

Se bem que isso não é uma opção, é um desastre mesmo. Essa hierarquização vai acabar com tudo. Não que eu seja uma entusiasta da Arca de Noé, prefiro coisas mais . . . concretas. . . - digamos assim - e somente assim sem direito a interpretação esdrúxula vinda da sua parte. 

Mas voltando para a obrigação escravizante. Maldito seja quem fez esse sistema matemático. Sim, eu me dou o direito de xingar e o caminho civilizatório para correr é grande. E não é apenas daqui, é daí também: principalmente.

Agora estou preso em uma cidade, sem dinheiro, sem ter para onde ir, condições nefastas impostas por quem tem o poder de mudar a vida de alguém para pior, neste caso, e que ainda consome bateria do veículo para vigiar. Eu ainda incluiria sadismo. A próxima cidade fica a 350 Km daqui. Nem que fosse andando, eu chegaria amanhã. Se não resolvessem mudar meu caminho por esporte.

Estaria mais desolado se não fosse meus gritos ecoando pela praça, jogando longe as pedras que decoravam a fonte principal da cidade. Poucas pessoas passavam de longe ao me ver fazendo isso. Era um ato de protesto, ninguém se importava e eu precisava sair dali.

Anoiteceu e não tinha me lembrado como fui dormir no indigesto e desconfortável banco da praça. Tentei lembrar se não havia bebido, mas logo concluí que não. Com que dinheiro? Pensava comigo mesmo enquanto lavava o rosto e cabelos, longe do carro para testar o alcance do sistema maldito.

O sol já castigava bem cedo, e poucos moradores circulavam pela praça. Não tinha ideia do que fazer, nenhuma alma, ou penada para ajudar. Somente o encaravam, mas sem violência ,o que era gratificante de início. Mas ele não tinha ideia do que fazer, nenhuma alma penada para ajudar.

"Pelo menos gostam de ouvir. Fingir ou se fazer de desentendido" - Pensou.

Começou uma caminhada pelas ruas e arredores da praças, poucas pessoas o observavam. Cada vez mais se afastava: dos botecos, das portas fechadas, igrejas, pequenos comércios. 

Caminhou até chegar na beira de uma montanha, onde tinham poucas casas, era muito poeirento e não tinha asfalto, tinha que caminhar. Uma criança surgiu (e eu pensando que a cidade só tinha idosos), e segurou minha mão com alguma força, me puxando para a montanha. Era um menino, moreno, cabelos escuros bem lisos e feições indígenas.

Foi me puxando sem falar sobre qualquer assunto, no mais repleto silêncio. Enquanto subia podia ver aquela cidade cheia de personagens mudos. 

Voltando à realidade, já estava ofegante quando chegamos na soleira de uma casa. Como uma resposta, enfim falou que eu poderia usar o telefone.

Corri para o que se chamava de telefone (um objeto longilíneo, muito antigo com botões) e liguei para Mabel. Pedi ajuda, disse onde estava e terminamos o breve telefonema. Disse "gracias" para o menino e desci a montanha, mais confiante e ciente de que não estava sozinho.

Na praça havia várias pessoas ao redor do meu carro e não tinha a mínima ideia do que acontecia. O mais velho de todos se apresentou e disse que todo aquele grupo queria deixar uma carta comigo, antes de morrerem e da minha partida. Recebi todas as cartas em um saco de pano.

Agradeci um por um com um "gracias" depois de uma longa conversa e a minha ajuda chegar. A vigilância retirou o estado de punição e pude retornar sem problemas. Eu apenas retirei meu sorriso para eles.








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