A pessoa mais presenteada do mundo foi uma menina. Eram muitos presentes de segunda via que ela recebia. Eram os mais variados doces, entre os brinquedos mais desejados, roupas almejadas e outros objetos.
Sempre tinha muitas coisas guardadas, entre sentimentos por cada objeto, alguns com indicações, objetos facilmente manuseáveis, coisas e coisas, com sentimentos ou não.
O acúmulo inevitável, difícil de desfazer. Com o tempo depositou utilidade, carinho e apreço. Quase uma desfeita, porém quase.
A expectativa com a menina mais presenteada do mundo era que crescesse e se desfizesse de seus presentes, inclusive os presentes diários que recebia de várias pessoas, sem identificar a intenção dos presentes. O acúmulo não era bem visto, mas também nada era decidido pelos presentes diários, que continuavam chegando.
"A menina não tinha mãe?"; "Por que recebe tantos presentes?"; "Eu queria esses presentes para mim."; "Por que ela é tão sortuda?"; "Não tem critério para receber os presentes?" - As dissidências já estrelavam seus questionamentos, aos poucos os presentes reduziam sua quantidade e fluxo, o apreço, a vontade. A menina recebia presentes que não combinavam com ela, mas ela não devolvia os questionamentos, muito menos o presente, ou grande parte deles. Ela mantinha a educação em recebê-los, porém titubeava em usá-los. Sendo assim, os presentes eram repassados.
Um dia, alguém soube do repasse dos presentes, e novos questionamentos eram feitos. A quantidade de presentes diminuiu mais uma vez, e chegou a um nível que conseguia usar todos sem repassá-los antes.
Foi assim que começou o pequeno desastre: usando todos os presentes, sua vida começou a sair do rumo que era previsto, e as coisas não davam mais certo para ela. Sem saber, começou a ser mal vista, e os presentes começaram a ser rareados, ao contrário de uma vigilância estabelecida para que ela não recebesse mais presente, e sim produzir relatório de uso dos presentes.
A menina, nesse estágio já consciente de sua situação, negou simplesmente a pseudo obrigação e continuou a seguir sua vida, repassando os presentes recebidos e começando a divulgar o uso consciente dos presentes e a não obrigação de entregar qualquer relatório. Foi mais além e alegou escravização desde a sua concepção, recorreu aos melhores gurus do assunto para legitimar sua causa, deixando muitos boquiabertos com sua atitude.
As pessoas que antes davam presentes se revoltaram com a situação e se movimentaram contra a grande menina, que já podia ser chamada de grande mulher ao invés da pessoa mais presenteada do mundo. A menina ignorou e viu seu movimento ganhar novos adeptos, até se tornar na menina mais consciente do mundo.
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Contos Desimportantes Mas Que Tem Importância
Short StoryVários contos com intuito em exercitar-se