O mundo de Jeon Jungkook vira de cabeça para baixo quando, de uma hora para outra, ele precisa lidar com o fato de que Saturno desapareceu do universo num piscar de olhos e está diante de sua porta, materializado num humano lindo em níveis astronômi...
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Jungkook nunca se acostumou com a textura do carpete que cobre o piso do escritório. Ele a sentia áspera debaixo dos pés, mas evitava reclamar por ter sido um presente do namorado dias depois da notícia de que ele iria trabalhar em casa, tendo mais tempo para Taehyung. Entretanto, agora, seus pés se recusavam a dar um passo à frente, cruzando o batente que o separava de sua farsa. O moreno inclina a cabeça, reconhecendo através da escuridão, na parede oposta, o imenso quadro de Saturno pintado a óleo. Não parece ter o mesmo brilho, percebe, de quando a vida era perfeita. Está tão murcho, tão sem cor, como uma flor apodrecendo após ser arrancada da terra. A garganta trava e ele respira fundo algumas vezes, tentando retirar aquele sentimento preso no meio do peito, quase petrificado, de quando queremos chorar e não conseguimos. Não há respostas na escuridão, pensa, e o próximo pensamento é imaginar o próprio corpo se convertendo em lágrimas das quais é difícil liberar.
É estranho para ele reconhecer que ser descoberto vai além de se sentir envergonhado, é sentir como se um peso sólido caísse no chão, desocupando seus ombros, deixando sua coluna alinhada outra vez. No fim das contas ele precisava deste choque de realidade, precisava entender que resolver o problema é, em sua grande maioria, muito pior do que criá-lo. Ele desiste, dando meio volta e seguindo pelo corredor. Como as coisas podiam ter dado tão errado? Como o tiro havia saído pela culatra? Ele articulou tudo tão bem, encobertou as mentiras com tanta precisão, para, no mínimo descuido, abrirem o armário e deixarem seus segredos caírem numa imensa avalanche sobre a cabeça do namorado.
A culpa não é deles.
No fundo Jungkook sabe, mas tenta não dar ouvidos porque ainda não está pronto para assumir a responsabilidade. Ao invés disso, ele caminha na direção do quintal da casa afim de sentir a textura confortável da grama abaixo dos pés. Este, sim, é o ambiente em que gostaria de permanecer congelado pela eternidade, contemplando a negritude estrelar do céu imune aos problemas mundanos. Ele cruza as pernas e impõe o peso do corpo sobre as mãos atrás de si, servindo como meio de sustentação. A cabeça pende para trás e foca em algumas das constelações com a visão sábia de quem sabe como identificá-las.
No canto de sua visão periférica algo brilha com intensidade e se move ágil pelo céu, despertando o interesse de quem sonhava com as estrelas. Jungkook, assim que a vê passar, fecha os olhos com força e, tentando dizer em voz alta que seu maior desejo é de voltar no tempo e fazer tudo certinho, outro desejo no âmago se revela, sadio e ousado, crescendo como uma flor na primavera; mostrando-se em sua maior beleza para chamar a atenção necessária. Talvez, pela primeira vez desde muito tempo, Jungkook é sincero com qualquer que seja a força divina que o está vendo agora, e deixa as palavras subirem pela garganta, livres, prontas para assumirem forma na atmosfera.
— Saturno deveria se tornar humano. — Suspira, cedendo à intensidade do desejo que se manifesta por sobre os calafrios atiçando os pelos de seu corpo.
