Capítulo 01

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Alondra agradeceu ao operador de caixa, que gentilmente empurrou a porta de vidro para que ela saísse da loja de conveniência, com os ingredientes do desjejum no interior de um saco de papel.

Caminhou pelas ruas que acabavam de despertar e cumprimentou sorridentemente aos vizinhos e comerciantes que colocavam os seus produtos de vendas a visibilidade da população.

Por ali, todos a conheciam, não por somente ser uma escritora exitosa que arrastava leitores fanáticos por romances, mas também por sua simplicidade e carisma que encantava a todos que a rodeava.

Alondra caminhou por mais uns minutos nas ruas de Tijuana, até que, chegou a colônia residencial de classe média onde vivia. Quitou o casaco que vestia e pôs a chave no gancho depois de cerrar a porta detrás de si.

Foi para a cozinha com a intenção de preparar um desjejum reforçado para o esposo, que na noite passada havia trabalhado demasiado fotografando uma cerimônia e uma festa de matrimônio, mas como sempre, Bernardo tinha sua maneira de a surpreender.

— Meu amor, já está desperto! — Surpreendeu-se. — Pensei que iria dormir um pouquinho mais, digo, pela hora que chegou. — Caminhou até a mesa e repousou os produtos que havia comprado sobre ela.

— Sim, mas tenho uma sessão de fotos para fazer hoje cedo e já estou atrasado! — Conferiu o relógio e tomou o restante do café da xícara em um só gole.

Apesar de viverem no México, ainda se podia perceber a diferença de nacionalidade do casal, Bernardo era nascido e criado no país; nascera em Jalisco, tinha o sotaque melodioso e fácil de reconhecer, pois, a ênfase que se dava a cada frase parecia uma pergunta.

Já Alondra era Colombiana, viveu em Medellín por mais de duas décadas e, atualmente, aos quarenta anos, ainda não havia perdido as características de sua terra, sua fala era pura, cantada e marcante, tão marcante quanto os seus traços faciais que a ofereciam uma beleza distinta e atrativa, atributo que enamorou a Bernardo desde o primeiro momento que a viu.

— Que lástima, meu amor. Pensava em te preparar algo bom para comer. Deve estar vermelho de fome, e delgado como está — preocupou-se.

Bernardo riu. A apreensão da esposa era graciosa, mas, ao mesmo tempo, recordava a sua santa mãe que já estava no céu.

— Tranquila, meu amor. Eu já comi o que tinha, ademais, estou mais ansioso para o jantar especial que me prometeu fazer.

— Ah! Então você se recorda disso? — Acercou-se ao marido e enlaçou o pescoço dele com os braços.

— Claro! — Segurou na cintura dela com as duas mãos. — Se me encanta quando cozinha, mesmo que sua comida não seja tão boa quanto a minha! — Acariciou o rosto dela com os fios de cabelo castanho escuro acima dos ombros.

— Ah, sim! Pois, já não te faço mais nada! — protestou, afastando-se dele.

Bernardo a agarrou pelo braço e colou o corpo dela, no seu. A mirou nos olhos e disse que ela sempre seria a melhor em tudo e, quando se falava de comida, ele nunca havia experimentado uma melhor. Alondra ficou um tanto tímida, amava os elogios do marido e de como e ele a conseguia ver tão perfeita e imaculada, mesmo que perfeitos não existissem.

Depois que selaram os lábios em um enamorado e quente beijo, Bernardo se despediu dizendo que faria o possível para estar cedo em casa naquele dia, mas antes de ir definitivamente, se sentiu na obrigação de alertar a esposa, como todos os dias.

— Não esqueça das medicinas, sim, meu amor?

— Tranquilo, tenho tudo anotado! — Sorriu leve.

Alondra mirou a porta do refrigerador e viu uma nota junto ao imã. Ali estava o nome de cada medicamento e a que horas deveria tomá-los.

Aquela era rotina de quem há 25 anos convivia com a esquizofrenia. Enfermidade que desafortunadamente herdou de sua mãe, que como ela, viveu durante toda sua vida em uma batalha contra sua mente e próprios fantasmas.

Era horrível quando as crises a abatiam e os delírios, e alucinações se faziam presentes, por elas, já havia sido internada mais de cinco vezes numa clínica psiquiátrica, e a última vez havia sido somente há dois anos.

Alondra respirou fundo quando se recordou de quanto Bernardo sofria naqueles momentos. Momentos que para ela não a causava empatia, pois, estava rodeada de fantasmas que insistiam em a convencer que havia alguém contra si, que alguém perseguia ou que seu próprio marido desejava a fazer dano.

Bernardo ainda carregava a cicatriz no antebraço esquerdo da última crise que tivera quando ela o atingiu com uma faca por acreditar que ele estava planejando matá-la. Aquilo era um incurável inferno que parecia piorar e causar mais danos a cada nova crise, inferno que infelizmente iria conviver até os últimos dias de sua vida.

Alondra saiu da cozinha e através da pisciana da janela da sala de estar viu a Bernardo jogar uma rápida partida de futebol com um menino de oito anos. Ele se divertia e soltava altas risadas com o filho do vizinho. Aquela cena a fez sorrir, mas, ao mesmo tempo, derramar lágrimas de tristeza quando se recordou que jamais poderia dar o gosto ao esposo.

Ter um filho com a enfermidade que possuía seria muito riscoso quando a criança tinha chances de desenvolver a doença e, quando se falava em adotar, era uma batalha perdida, já que muitos pedidos foram negados quando os assistentes sociais se inteiraram de sua enfermidade.

Alondra secou as lágrimas e decidiu não seguir chorando. Há muito havia conversado sobre aquele tema com o marido e juntos haviam aceitado a ideia de um matrimônio sem filhos, mas ela ainda não havia conseguido aceitar a fatal realidade, por isso, trazia uma ideia em mente.

— Não, Alondra, claro que não! — Aura levantou-se num ato ao receber uma proposta da irmã mais jovem. — Eu não vou fazer nenhum método para engravidar, amo o meu corpo e nunca pensei em o destruir com um filho!

Aura tinha quarenta e seis anos e sempre foi uma mulher extremamente vaidosa, ainda mais quando durante anos, sua ferramenta de trabalho era exatamente a sua boa imagem e, mesmo que a irmã estivesse a oferecendo um bom dinheiro, não era o suficiente para a fazer mudar de ideia.

— Por favor, Aura! — Levantou-se. — Eu e Bernardo o que mais desejamos é um filho, mas minha maldita enfermidade não me permite, sem embargo, você é saudável, os seus pais eram saudáveis.

— Será? Lembre-se que eu não conheci os meus pais, eles me deixaram na porta de um igreja para quem quisesse me pegar! — respondeu, com rancor.

— Sim! — Respirou fundo. Ela sabia que aquele tema molestava a irmã. — Mas ao menos pense na minha proposta — pediu.

— Não! Eu não vou ser sua barriga de aluguel, olvida! — contestou, resoluta.

Depois que o tema desagradável para Aura se fez ausente, as irmãs se sentaram à mesa da varanda para tomar um chá e conversar um pouco sobre o novo livro que Alondra estava escrevendo.

— Terror? — Aura arregalou os olhos, surpreendida.

— Não é nada como terror com aparições fantasmagóricas e exorcismos, é como um thriller psicológico, fala de uma mulher comum, com sua família, carreira exitosa, tranquila, mas tudo isso se termina quando ela percebe que está sendo perseguida por um homem desconhecido e começa a história.

— Tem a ver com o passado dela? — perguntou, curiosa.
Alondra fez uma expressão vaga e elas riram. Como sempre, havia começado uma história sem ter ideia de como seria o final.

— Bom, seja como seja, a premissa é boníssima, porém, não compreendo o motivo de haver deixado de lado os romances, são boníssimos. — Pôs o tablet sobre a mesa e comeu uns dos biscoitos que estavam na bandeja.

— Sim, mas senti a necessidade de escrever algo novo, de sair da zona de conforto, sabe? É verdade que está sendo um desafio, no entanto, gosto de sentir esse repto e se não dá certo, pois, não deu. Não vou morrer por isso! — Desligou o tablet e fechou a case.

— E Bernardo o que pensa disso?

Alondra respirou fundo e apoiou o cotovelo direito sobre a mesa.

— Ele ainda não sabe.

— Como? — Surpreendeu-se. Bernardo sempre era o primeiro a se inteirar a cada novo livro.

— Sim. Ainda não quis o dizer, pois, tenho medo que ele pense que essa história pode de alguma maneira influenciar para que eu tenha uma nova crise. Por isso, penso em dizer somente quando já tenha a obra finalizada.

— Bom, você faz o que melhor te parece, mas não creio que Bernardo pensaria assim.

Alondra quis acreditar naquilo, pois, sua enfermidade delirante já havia atrapalhado demasiado a sua vida.

A noite chegou dando asas à imaginação de Alondra que preparou o prato favorito do marido e enfeitou a mesa e a casa para recebê-lo.

Quando Bernardo chegou, encantou-se com a maneira que ela estava vestida, não trajava uma roupa escandalosamente sensual, no entanto, o vestido negro que deixava à mostra parte de suas costas e destacava sua pele branca e macia, resultava ser extremamente estimulante.

Depois que jantaram, conversaram sobre tudo e fizeram muito amor sobre a cama, a madrugada já adentrava quando Alondra despertou com a caída de energia.

Bufou irritada quando o barulho do ventilador revelou o incômodo ruído do ronco do marido que dormia ao seu lado. Ele definitivamente não despertava com nada, nem como o próprio som que produzia.

Alondra olhou para o notebook que estava sobre si e ergueu o tronco lentamente, vendo que não havia terminado nem o primeiro parágrafo, definitivamente, Bernardo logrou a deixá-la exausta naquela noite.

Cerrou os olhos e sorriu ao se lembrar de cada momento que ele a proporcionara. Nada a atraia mais que a pele bronzeada de Bernardo e seu lindo par de olhos verdes, que pareciam se completar com o seu cabelo cacheado.

Se lembrou quando sua irmã a perguntara o que havia a atraído no marido, afinal, ele não era o tipo mais guapo e o seu corpo delgado não era algo que chamava a atenção de uma mulher de primeiro momento, mas Alondra sabia perfeitamente o que havia a conquistado, o seu sorriso era a coisa mais contagiante do mundo e sua alma era o mais belo que aquele homem podia vestir.

Alondra ergueu as sobrancelhas e riu sozinha. Talvez nunca se dera conta de quanto o amava.

Depois de desligar o computador, o pôs sobre a mesa de cabeceira e levantou-se. Através do vidro da janela, viu as luzes da rua e das demais casas. Somente na sua residência não havia luz.

Estranhando a situação, pegou uma lanterna e abriu lentamente a porta do quarto.

Caminhou pelo corredor iluminado pela pouca luz da luminária, desceu as escadas e quando chegou no primeiro andar, o seu corpo se alagou de pavor. A porta de entrada estava aberta até o canto e o chão de porcelanato branco estava manchado de sangue.





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