𝖯𝗋𝗈́𝗅𝗈𝗀𝗈

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Thor latia sem parar no andar de cima e isso já estava me deixando louco. Era assim desde a mudança para a nova casa, ainda que já fizessem três dias. Namjoon havia dito algo sobre costume, e como seus latidos cessariam após o golden retriever reconhecer a área, mas há duas noites está sendo difícil até mesmo para dormir porque ele simplesmente não para.

Os novos vizinhos já me odeiam, já que os moradores antigos, das raras vezes que visitavam a casa, nunca chamavam atenção, e eu, com um pouco mais de quarenta e oito horas no novo condomínio já estou perturbando o silêncio e a paz da vizinhança com um cachorro louco.

Thor nunca agiu assim antes, mas desde que botamos o pé aqui, após uma vasta visita para reconhecer o cheiro do local, o cachorro está em frente a parede final do meu closet, latindo, arranhando e chorando como se quisesse passar para o outro lado, cavar um túnel ou algo assim.

Subo as escadas que me levam até o quarto e vou até o closet, que por algum motivo já não tinha uma porta desde o momento da compra. Thor havia derrubado um dos meus ternos em meio a bagunça que fazia e o gesso de revestimento da parede estava desgastado de um jeito que me renderia grandes esforços para reparar, espalhado pelo chão e pelas roupas.

一 O que foi, menino? Vai dormir ‘pra que o papai possa dormir também, hm? 一 perguntei, abaixando a postura para coçar atrás de orelha grandes, mas Thor não se rendeu. Do contrário, o cachorro de pelos grandes e amarelos se pôs a latir ainda mais em direção a parede. 一 O que temos aqui, afinal? 一 perguntei, batendo na parede.

O barulho oco me sobressaltou. Bati mais ao lado, tendo uma resposta completamente diferente. Na direção onde Thor latia havia uma parede falsa e logo onde ele havia machucado o gesso da parede, podia ser visto o rosa do compensado. Ele tinha realmente um motivo, então. Havia algo ali atrás e não era somente meu cachorro que queria ver agora.

Deixei Thor sozinho enquanto descia as escadas, já tirando o celular do bolso para ligar para Namjoon, que atendeu somente um toque depois.

一 É bom ser rápido, eu ‘tô no meio de uma conversa importante. 一 Namjoon bravou, ainda que provavelmente não estivesse fazendo nada de muito sério em seu dia de folga.

— Você tem um machado?

— Céus, Hoseok. Por que eu teria um machado? — riu por um momento — espera, ‘pra quê você quer um machado? Hoseok, o que você aprontou?

— Thor não parou de latir ‘pra parede e eu descobri agora que é uma parede falsa, eu quero derrubar o que tem atrás dela, por isso liguei pra você.

— Porque para você eu pareço alguém que tem um machado, claro, faz totalmente o meu tipo. — Namjoon concluiu — temos que reavaliar nossa amizade, cara.

— Namjoon, é sério, você é o que mora mais perto — reclamei, abrindo todas as gavetas da cozinha em busca de algo que me ajudasse no meu objetivo — você sabe com o que eu poderia quebrar uma parede falsa que não seja um machado?

— Claro, eu quebro muitas paredes nesses meus oito anos como advogado — Namjoon ironizou — é claro que não sei, Hoseok! Vê se os moradores antigos não deixaram nada na área de serviço, uma marreta quem sabe?

— Marreta? — como eu não havia pensado nisso antes?

— É, tipo a do Thor. — Namjoon divagou. — O herói, não o teu cachorro.  

— Eu sei o que é uma marreta, cara.

— Que bom, então você não é tão burro assim. Me liga pra falar o que resultou do seu quebra-quebra depois. — Fora o que Namjoon disse antes de desligar.

Guardo meu celular no bolso quando, já na área de serviço, reconheço uma marreta enferrujada. Martelo, pregos e correntes também se encontravam lá, fora parte do revestimento que provavelmente fora usado pela casa antes da venda. Apenas pego o que preciso e decido olhar por mais daquela área em outro momento antes de voltar para o andar de cima, vendo Thor correr de um lado pro outro, alegre ao perceber o que eu iria fazer.

— Se afasta aí, amigão. — Falo a Thor antes do primeiro encontro da marreta com a parede. O compensado se quebra em um pequeno boraco que abro mais a cada marretada, assustando o cachorro atrás de mim que late sem parar por conta do som estrondoso.

Os vizinhos devem mesmo me odiar, agora com razão.

Quando abro a parede o suficiente, posso enxergar o breu do outro lado. Como imaginado, há realmente uma entrada, como se ali antes houvesse uma porta, a qual o compensado antes tapava. Chuto o resto de material restante, o que me permite enxergar uma escada a meia luz. Thor entra e desce a escada antes que eu possa impedir.

— Thor! — grito, chamando-o em desespero. — Não, garoto! Volta aqui.

E em respostas ouço apenas os seus latidos, até que então não ouço nada.

— Thor? — Chamo novamente, o coração acelerado em um súbito desespero que me toma o corpo. — Vamos amigão, responde o papai?! — Mas os latidos que duravam dias, agora ao menos davam sinal.

O desespero do meu corpo fora o suficiente para que eu não lembre exatamente o momento em que passei a descer as escadas, equilibrando o meu peso naquela madeira velha que rangia a cada passo dado. E ao chegar no final da escada, sem iluminação alguma, cair.

Do chão, com o corpo dolorido após a queda, tateei o meu bolso atrás do celular, para só então ter a ideia incrível de ligar a lanterna.

O lugar é frio e insalubre. O cheio de dejetos é desagradável e o piso de cimento cru faz com que eu machuque os meus braços com a queda. Procuro por Thor com a luz da lanterna, e enquanto tento levantar, uma barata passa por minha mão, me fazendo sobressaltar e dar alguns passos para trás, batendo na parede atrás de mim.

O latido de Thor finalmente é ouvido.

— Thor — o chamo, tentando voltar a enxergar um palmo à minha frente com a ajuda da luz fraca do celular. O cachorro está mais à frente, e desesperado, corro até ele e tento afastá-lo. — Thor, não! Não!

O cachorro lambe um corpo, e este está encolhido próximo a quina. Afasto Thor e o mantenho preso pela coleira, e mesmo que em algum momento entre a correria e tentar conter meu cachorro eu tenha deixado o celular cair, ainda posso ver pela pouca luz a pele pálida e gélida ao tato. Meu coração dispara e toco o corpo próximo ao pescoço, ainda que tenha certeza que não há condições de vida ali.

Thor late outra vez, me assustando junto a fraca sensação de pulsação naquela pele macia. Estava vivo? O corpo gélido, apesar das quase nulas possibilidade de vida, estava vivo naquele lugar insalubre?

Pulo até onde meu celular se encontra e chego até o corpo novamente, tomando cuidado para manter Thor próximo a mim. Aproximo a lanterna do rosto pálido, reparando partes de seu rosto que não eram coberto pelos cabelos grandes e embaraçados. Seguindo a iluminação, percebo que estava preso por correntes no pulso, e que provavelmente, aquele corpo pequeno e  pálido é um garoto, uma criança, e estava sendo mantido em cativeiro naquele lugar. De baixo da minha casa.

Aproximo minha mão de seu rosto e tento sentir sua respiração para confirmar que era pulso o notei. A expirar quase nulo foi confirmado quando, descendo a iluminação, vejo seu corpo liso e quase despido dos trapos movimentar-se. Precariamente. Quase imperceptível.

Aquele garoto estava vivo.

Minhas mãos tremiam quando disquei o número de Namjoon enquanto levava Thor em meus braços e levantava em tropeços. O meu corpo tremia e minha cabeça latejava, e parte disso não era pelo nervosismo e susto ao presenciar uma situação como aquela, mas pelo cheiro forte do local. A voz de Kim se fez presente no segundo toque, e outra vez, o outro ironizou algo que foi rapidamente ignorado.

— Namjoon, chama a ambulância — pedi, munido de todo o pavor que me dominava naquele momento. A voz ofegante, tentando achar um jeito de manter Thor longe de toda aquela situação. — Tem um garoto no meu porão.



House Of Cards | sopeOnde histórias criam vida. Descubra agora