cap.1

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O som da risada alegre de uma criança ainda pequena preenchia a sala. Márcio ergueu-se nos cotovelos para olhar melhor a menininha que, vestida num pijama de bolinhas, estava deitada de costas no felpudo tapete oriental diante da janela.

Baixando a cabeça, ele mais uma vez brincou, tentando fazer cócegas em sua barriga, enquanto a garota ria ainda mais alto, agarrando-se a seus cabelos.

Numa poltrona próxima, uma mulher de branco observava a cena, sem sorrir. Impaciente, acabou por sugerir:

— Sr. Porto, acredito que já esteja na hora de colocar Clara para dormir.

Márcio pensou por instantes antes de responder. Não se importava com o adiantado da hora, e sabia que Clara, com certeza, também não.

Vejo minha filha apenas vinte minutos por dia, Ana.  Será que não poderíamos adiar seu momento de ir para a cama?

A expressão de Ana  era sisuda.

— Bem, eu diria que o senhor já fez isso.  Fez um esgar de desagrado. —
Já a agitou tanto que vou levar mais de uma hora para fazê-la aquietar-se de novo.

Márcio respirou fundo, jurando para si mesmo que, no dia seguinte, conseguiria sair do escritório mais cedo, não importando quais fossem as consequências.

— Está certo,  Entregou a ela a menina.

— Muito bem,Clara, a brincadeira acabou. Dê um beijo no papai antes de ir repousar.

Os olhos grandes de Clara, muito semelhantes aos de sua mãe, pareceram entristecer-se. Márcio abraçou-a e levantou-se com ela nos braços, beijando-a várias vezes, e depois entregando-a à enfermeira, que fazia vezes de babá. Ficou, depois, observando-as afastarem-se pelo piso frio de mármore até a grande escadaria, onde, aos poucos, desapareceram em direção ao andar superior da residência.

Mesmo aborrecido com a conversa, Márcio não pôde deixar de sentir vontade de rir. Sua querida avó tinha um jeito muito especial de colocar as coisas. E estava um tanto corada pelo que acabara de sugerir. Ou seria aquele tom rosado em seu rosto apenas um reflexo do tricô que fazia e que tinha um belo tom de vermelho? Camila deu de ombros e começou uma nova carreira com as agulhas.

— Não tenho dúvida de que, um dia, ainda vai encontrar uma moça maravilhosa  observou ainda, para ter a palavra final, pelo menos por enquanto.

Márcio imaginava se valeria a pena comentar que não descartara a idéia de outra jovem mas sim de outro casamento.

— E será mais fácil para Clara aceitar uma madrasta agora, quando ainda é tão pequena  a avó resolveu acrescentar, como reflexo de pensamentos posteriores.

Márcio voltou-se, surpreso. Poderia saber de cor o conteúdo daquela conversação, pois já a tivera com Camila inúmeras vezes. Contudo, aquela derradeira observação dela soava como algo novo.

— Vovó, só porque pensa que, um dia, voltarei a me casar, acha que devo fazer isso agora? Esteja eu pronto ou não? Só porque Clara está com a idade apropriada para poder aceitar uma nova mãe?

COISAS DO UNIVERSO (ADAPTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora