Capitulo 01

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1180 – EM ALGUM LUGAR NO PACÍFICO

Estava escuro e frio naquela noite sombria, quando o jovem aspirante a pirata ouviu a primeira conversa sobre aquele artefato misterioso que permitia aos mortos andarem tranquilos sob a luz do sol. Ainda não fazia parte da tripulação, mas era um forte candidato. E nada lhe daria mais prazer que pertencer aquele meio que vivia para saquear, pilhar e matar sem piedade. Suas mãos ansiavam por sentir o calor do sangue alheio.

Naquele momento, estava escondido entre as pedras altas que compunham a entrada da caverna obscura, de dentro da qual vinha uma fraca iluminação de vela e um murmúrio incomodo de duas vozes distintas. Aos poucos o jovem rapaz conseguiu discernir algumas palavras, que usou para construir frases em sua cabeça. "Perigoso, teremos muito a perder se algo der errado" e "deixe a covardia e siga em frente!"

Foi quando os sons se tornaram mais audíveis à medida que as duas figuras se aproximavam da saída da caverna. Tal movimentação fez com que o rapaz se inquietasse em seu esconderijo, com medo de ser descoberto e morto. Correu os olhos para ambos os lados, procurando uma rota de fuga, mas ao notar que esta não existia, achou melhor permanecer onde estava, talvez não fosse encontrado.

– Estou lhe dizendo Ivanov, tudo o que precisamos é de um dos descendentes deles bem aqui, rasgamos a garganta e deixamos o sangue fluir para completar o ritual. Simples! Por que tanto receio? – o outro pirata, Ivanov Stravinsky, um russo de feições taciturnas e olhar penetrante; continuava impassível em sua decisão. Não queria usar vidas humanas para um propósito segundo ele "muito mesquinho".

– Bem meu amigo, eu o farei, com ou sem você, terei um deles no porão do meu navio e o trarei até aqui na noite de lua cheia para o ritual. E nada e nem ninguém irá me impedir de conseguir o que eu quero. – a voz ferina e ácida do capitão para o qual o jovem trabalhava soou ríspida como um trovão cortando a noite silenciosa o que fez o grumete se encolher ainda mais entre as pedras, apavorado com o castigo que receberia se fosse descoberto.

– Caro Ivanov, eu acredito que temos um espião entre nós. E um que mal consegue disfarçar sua presença, não é mesmo senhor Wilthmore? – o rapaz congelou ao ouvir seu nome ser dito com aquele quê de sarcasmo tão comum ao capitão. Engoliu em seco antes de se levantar de seu esconderijo muito de vagar.

– Há quanto tempo está ai, seu rato sujo? – indagou o outro com raiva na voz, o jovem Morgan Wilthmore sentiu todo seu corpo se arrepiar e o calor se esvair pela sola dos pés perante aquela voz inquiridora. Correu os olhos para os dois lados do lugar desabitado, em uma busca desesperada por alguma ajuda. Mas ficou claro que não havia ninguém além dos dois piratas.

– Procurando uma rota de fuga, verme? Sinto informar, mas não há nenhuma. – lentamente o jovem Wilthmore elevou os olhos na direção do homem a sua frente, era alto e de porte confiante. Trajava vestes negras da cabeça aos pés. Na cabeça um suntuoso chapéu de veludo escuro, adornado com uma única e longa pena branca. O rosto afunilado tinha o desenho de um fino cavanhaque que se movia ao mesmo tempo que os lábios, esticados em um sorriso sádico.

– O quanto e o que você ouviu? Diga logo ou eu cortarei sua cabeça fora e a levarei ao navio como aviso para os outros! – ouviu o som característico da lamina arranhando a bainha e em poucos segundos a ponta da espada estava apontada na direção de seus olhos, firme e pronta para atacar.

– Na... Nada importante, meu Ca - capitão. Digo, eu não consegui compreender qual o assunto discutido entre o senhor e o capitão Stravinsky. Por favor, poupe minha vida, meu sonho é servir ao senhor em seu navio desde... Sempre. – sua voz estava trêmula e nunca, em seus 18 anos sentiu tanto pavor como experimentava naquele momento.

O homem esboçou um meio-sorriso divertido e irônico, exibindo de forma parcial seus caninos anormalmente protuberantes e afiados. Seus olhos, duas contas negras, estavam repletos de algo que Morgan não conseguiu decodificar, mas que por instinto lhe causou medo. A espada aos poucos se afastou do rosto pálido de pavor do jovem grumete.

– Você deseja fazer parte da minha tripulação garoto? Uma criança que mal saiu dos cueiros? – sentiu a ponta da espada bater no lado do seu corpo, como se estivesse analisando seu físico. Endireitou-se devagar e se manteve o mais firme possível. Apesar de que fosse difícil fazê-lo tendo a chance de aquela ser sua ultima noite enchendo os pulmões com ar.

– O que acha Stravinsky? – perguntou o capitão, sem, no entanto esperar uma resposta do amigo. Estava apenas querendo deixar o garoto nervoso. E conseguia atingir seu objetivo com sucesso.

– Aproxime-se jovem Wilthmore, não tenha medo, não irei lhe machucar... Muito. – a ultima palavra saiu em um sussurro quando Morgan já estava próximo o suficiente do capitão para ter uma chance de fuga.

O que aconteceu a seguir foi rápido demais até mesmo para ele, que estava fazendo parte de toda aquela situação. Seu pescoço foi pego por uma das mãos geladas e macias do capitão, e então sua cabeça foi forçada para o lado, deixando a jugular exposta.

Com horror crescente nos olhos claros, Morgan observou os caninos do homem dobrarem de tamanho e suas pupilas, até o momento de um negrume profundo, tomarem uma coloração rubra e densa, como... Sangue.

– Seja bem-vindo a tripulação do Stella Sanguis. – e dizendo estas palavras, o capitão, Ernest Gray, cravou seus dentes afiados na carne macia do jovem Morgan, que aos poucos teve a visão nublada e turva, até que desmaiou, tendo como ultima visão aqueles grandes e profundos olhos encarnados.

Sangue e OuroOnde histórias criam vida. Descubra agora