Ouverture

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Seus pais haviam descoberto seu talento aos três anos de idade. Tinham lhe dado uma pequena flauta de plástico, um típico presente para crianças, e se surpreenderam ilimitadamente quando notaram que os sons que o filho produzia não eram os desconexos e desafinados, normais para uma criança daquela idade. Não... o menino conseguia tirar uma harmonia incomum do instrumento precário. Era realmente estranho, já que ele era tão calado e sério, uma criança inexpressiva até, apática, impassível. Ele quase não se conectava com nada ao seu redor, como se sequer se preocupasse em tomar conhecimento dos acontecimentos a seu entorno. Como se não se importasse; e, talvez, ele realmente não o fizesse.

Um ano mais tarde, quando seus pais decidiram colocá-lo na escola, não estavam preparados para receber a noticia da educadora. Tinham conhecimento de que o menino era inteligente, mas não sabiam da dimensão daquela inteligência; pelo menos, até quando a professora lhes disse que não seria indicado que ele permanecesse naquela classe. Não quando o garoto fazia contas de cabeça, conseguia escrever o próprio nome de forma legível em apenas uma semana de prática, muito menos quando ele sequer encostava nos brinquedos ou tentava se socializar com as outras crianças. Ele era especial... e não de uma forma pejorativa. Ele era inteligente demais para permanecer na pré-escola, aquilo apenas iria lhe atrasar e desestimular.

A principio, Mikoto havia ficado receosa em deixar seu filho conviver com crianças mais velhas tão cedo, mas a escola havia lhe assegurado de que nada daria errado, já que o menino conseguiria acompanhá-las sem qualquer problema. Indicaram-lhe também que o colocasse em aulas de música, já que era um dos poucos assuntos que parecia atiçar realmente o interesse da criança, que andava para todos os lados com a velha flauta de plástico firmemente presa em sua mão. Haviam lhe dito também que as outras crianças pareciam fascinadas com ele quando resolvia tocá-la e, apesar de permanecerem a uma certa distancia respeitosa do sério garoto, elas o admiravam muito, algo que era incomum dentre crianças da mesma idade. Como se a turma tivesse consciência de que ele estava num nível superior ao delas e o tivessem como alguém mais velho, mais avançado.

Porém, nada parecia atingi-lo, tocá-lo; era como se ele estivesse se desprendendo cada vez mais do mundo real e se interiorizando na medida em que o tempo passava. Aquilo deixava Mikoto extremamente preocupada, mesmo que os diversos médicos houvessem lhe afirmado que não havia nada de errado com seu filho, além de um QI extremamente elevado, e que era normal crianças tão inteligentes se sentirem afastadas do ambiente em que viviam. De alguma forma, ele não lhe parecia feliz e era aquilo o que mais lhe doía. Fugaku havia concordado em matricular o menino numa escola de música, apesar de não terem idéia de que instrumento o menino preferiria tocar. O instrutor, irmão de seu marido, o que era uma coincidência extremamente agradável, deixara claro que os apresentaria à criança e o deixaria explorar e escolher o que mais lhe agradasse, o que deixou os pais um pouco mais tranqüilos; era uma forma de distrair o garoto, que, apesar de sempre tão quieto, parecia entediado o tempo todo.

A surpresa maior veio pouco tempo depois, quando Mikoto viu-se grávida novamente. Discutira com o marido diversas maneiras de abordar o assunto com o filho e decidira esperar a criança voltar das aulas de música daquele dia para dar-lhe a notícia. Não sabia como ele reagiria e temia por isso, mas agradecia ao fato de seu filho ser tão calmo, já que isso pelo menos seria uma garantia de que ele não faria um escândalo ou coisa parecida.

Esperou Fugaku buscá-lo e levá-lo para casa, de forma relutante, já que o garoto parecia querer passar cada vez mais tempo na escola de música. Era como se aquelas três horas diárias não lhe bastassem. Preparou-lhe os biscoitos preferidos, algo que achava curioso; ele não gostava muito de comer, mas quando lhe ofereciam algo com açúcar, era como se seu apetite tivesse dobrado. Sorriu, nervosa, enquanto ouvia o carro estacionar na frente de sua casa. Não deveria estar tão ansiosa, mas não conseguia evitar... seu filho era tão imprevisível...

The Second MovementOnde histórias criam vida. Descubra agora