Inferno Astral

Touro 3

Depois daquele dia trocamos mensagens. Saímos para alguns lugares no centro. Gastei a passagem que era da faculdade para ir vê-la.

A garota de Touro não era só modelo.

Aliás, as pessoas não são uma única coisa. Não dá para definí-las em um único padrão. Pessoas são uma mistura de tudo que é comum.

Creio que seja isso que as façam únicas.

Em qualquer lugar, largas foram as horas que decidimos gastar para comer e conversar.

— Então você simplesmente acha a pessoa bonita e vai falar com ela? — Me questionou.

— Bem, basicamente isso.

Ela sorriu da minha conotação, de forma a julgar meu caráter.

Estávamos ali sentados próximo a terra de uma horta, uma das ações sociais que ela fazia em comunidades carentes.

A terra era nosso sofá, a marmita fria nosso aperitivo.

— Você come de tudo? — Ela me perguntou.

— Sim.

— Por isso, as pessoas são seletivas com pessoas assim como elas são com comida.

Eu ri.

Era um questionamento engraçado, mas até que na minha cabeça fazia sentido.

Comidas assim como pessoas.

As vezes você pensa que só merece aquilo que está estragado.

A garota de Touro era magnífica, com seu cabelo curto e abraço gostoso.

— Não pode gostar das pessoas apenas pela aparência. Elas são mais do que isso. — Me senti levando uma bronca pela minha forma de agir — Pessoas são essência. É uma conexão que vai além da vontade do corpo.

Um taurino deveria dizer isso?

Ela falando tais coisas quebrou todo meu conceito sobre signos de terra serem mundanos.

Ou talvez ser mundano seja viver até aquilo que não se pode ver.

Qual a minha essência?

— O que é a essência para você?

Limpei minha mão suja de terra, havia caído um pouco dela no meu pote de comida. Nós havíamos misturado a terra com húmus.

Acho que era melhor parar de comer.

— Essência para mim... — Ela levou as mãos ao queixo como se fosse um ancião — É aquilo que te faz belo. Sabe, aquela coisa que pode passar 90 anos e você ainda ri das piadas medíocres da pessoa? De como ela se porta ou tem orgulho por tê-la ao seu lado? Isso é essência.

Sinceramente.

Para um "segundo encontro" estávamos em um assunto muito complexo.

Gosto de aprender, mas sinto que minha cabeça pode travar algumas vezes.

E por aquela conversa ela provavelmente estivesse dizendo que não me acha fisicamente bonito, mas há algo em mim que a faz querer ficar ali conversando.

Pelo menos minha bunda é bonita.

— Você sabia que essa camada de terra que mexemos para fertilização das plantas se chama litossolo?

— André... Está nervoso de novo?

Não. Acho que estou apaixonado.

De repente é ouvido alguns tiros, armas potentes que pareciam estar próximas a nossos ouvidos.

Todos da ação social correm, tentam se abrigar próximo a algo que seja seguro.

Mas o que é seguro em uma favela?

Policiais arrombam a porta do local em que nos abrigamos, no caso a cede da ação social. Alguns se protegem, outros invadem.

Destroem suas plantas, derrubam a terra. Como cães selvagens.

Até que um me olha, irritadiço.

"Você! Vai para a delegacia com a gente!"

Será que pelo menos eu vou chegar a delegacia?