Touro 4

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Quantos jovens são confundidos com traficantes por simplesmente morarem em favelas?

Minto.

Tenho que reformular essa pergunta.

Quantos negros são confundidos com traficantes por simplesmente morarem em favelas? 

No caminho do camburão a delegacia vim abarrotado na traseira daquele carro como se fosse um pedaço de carne.

Contudo, os outros jovens que vieram comigo, eram garotos negros. Eu, o único branco. Só havia sido algemado e colocado ali.

E os outros?

Evitavam me olhar, não com medo, não porquê era interessante olhar o chão metálico daquele carro cheio de preconceitos. Era a vergonha, exposta em suas faces. Alguns deles me recordei que estavam na rua, soltando pipa. Bebendo cerveja.

Vivendo.

Ali aprendi uma coisa doída, mesmo que eu embeleze sua pele, nunca vou entender a dor que é suporta-la.

Ao chegarmos a delegacia sentamos em cadeiras separadas, viam nossas documentações. Pelo menos de quem tinha. Nos respondiam com nojo.

Como se tivéssemos matado alguém de sua família.

Como se ninguém ali devesse existir.

A porta da delegacia se abre, uma garota atravessa desesperada a procura de alguém.

A procura de mim. Ao me ver daquele jeito deplorável com minha camisa vermelha surrada e a calça jeans suja pela terra da horta. Ela correu ao meu abraço.

Seu abraço era o mais gostoso que havia sentido.

— Oi, obrigado por ter vindo.

— Óbvio que devia, você foi injustiçado.

Um policial se aconchegou a nossa conversa.

— Senhorita, tem que esperar afastada dos meliantes.

— É meu amigo, ele é estudante. — O homem portava minha carteira, curioso com a fala da garota de Touro abriu a fim de remexer algo. — Aí, a carteirinha da universidade dele.

O policial fez um barulho de desapontamento com a boca. E mexeu em seu bolso.

Com facilidade, pude revelar minha inocência, não passei mais do que quarenta minutos com aquelas amarras.

Mas e os outros?

Não tiveram a mesma sorte que a minha, talvez ninguém soubesse que haviam sido levados a delegacia.

Será que eles tinham alguém para se preocupar com eles?

O avermelhado de meus pulsos não era pior do que o vermelho da minha vergonha.

Então olhei para um lado, minha salvação.

— Vamos ali no bar? Quero beber. — Indiquei a garota de Touro, que aceitou meu convite.

Caminhamos grudados para a mesa de bar.

Que abraço gostoso era aquele.

Sabe quando as pessoas te dão aquele carinho especial?

Um conforto maior do que uma cama cara, ou um sofá tecnológico.

As vezes por mais macio que sejam as coisas que sentamos e dormimos, o único conforto que precisamos é um abraço.

Sentamos na mesa e o dono parecia ter entendido o pesar das minhas costas, de imediato me trouxe uma garrafa com dois copos para nos servirmos.

A penumbra caia no horizonte, o pôr do sol dava um contraste a beleza exaurida da cidade.

— Lindo... — A garota falou ao olhar para a paisagem. 

Pobre menina.

Mal sabia que era ela a paisagem mais bela daquele dia, onde os cabelos se bagunçam no vento. Bebendo naquele copo pequeno de vidro aquela bebida amarelada.

Tirando a tristeza de ter encontrado a polícia, queria estar algemado aos seus sentimentos, ao seu amor.

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