capítulo 9

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Para além das grades

Capítulo 9

Conversamos bastante e de longe vi a Adriely me olhando. Nossa, era só o que me faltava. To achando que arrumei uma desafeta na cadeia por causa de um boy visitante.

-Yasmin, podemos conversar só nós dois?

- a gente estava conversando só nós dois agorinha.

- Eu sei, linda. Mas quero te falar à sós umas coisas.

Fomos para um banco perto da saída do pátio, a Dona Marta estava tão envolvida conversando que nem notou que saímos.

- Eu quero te visitar como seu namorado, posso?

- Pode sim.

Ele estava doido para ir no parlatório nas visitas seguintes, percebi desde o início da visita. Eu vou aceitar, é tão raro alguma mulher ter visita íntima aqui e já tem mais de 2 anos que não transo com ninguém. Eu tinha um namorado, mas quando fui presa ele nem deu sinal de vida.

Vou aproveitar esse boy lindo, nem ligo se ele não quiser voltar outras vezes, vou só curtir os momentos.

Não é todo dia que cai um homem desse praticamente em uma bandeja dentro da cadeia.

- Você é solteiro mesmo?

- Sou sim, eu tinha uma namorada, mas terminamos já tem uns 4 meses.

- Olha lá, eu não posso ter fama de pé de pana.

- Fica tranquila, minha linda. Eu quero ser só seu.

Nos beijamos novamente e alguns minutos depois chegou o fim da visita. Eu nunca sinto saudades, porque nunca tenho visita, mas dessa vez foi diferente. Antes de entrar para a cela duas meninas de outras celas vieram falar comigo.

- Yasmin, aquele cara que estava contigo entregou uma grana para nossas visitas lá fora e pediu pra te passar no final da visita.

Cada uma me entregou 100,00 era o limite de dinheiro que podia ser entregue por interna. Eu não vou mentir, fiquei felizona dele ter se preocupado comigo e deixado uma grana. Não tinha nem como recusar, pois, qualquer ajuda aqui dentro é bem-vinda.

Depois que entramos para a cela os meus beijos com o Caio foram a conversa da noite, as meninas fizeram questão de me zoar.

Por incrível que pareça que estava me sentindo bem pela primeira vez ali dentro.

- Dona Marta, vamos subir lá pra jega?? Quero falar com a senhora.

- Vamos.

- Foi a senhora que contratou o Dr. Noberto?

- Foi sim, menina.

- eu nem sei como te agradecer, Dona Marta. A senhora é como um anjo na minha vida.

- Não precisa agradecer, menina. Você não merece está aqui dentro, o mundo é grande para você.

- Obrigada, Dona Marta. Sou muito grata pela ajuda.

- Eu quero que você saia daqui e cuide de você, ta bom??

- Pode deixar.

Dormi com o coração feliz e pela primeira vez em muitos anos, estava me sentindo viva e cheia de esperanças.

Dias depois..

Eu estava louca para chegar o dia da visita, as meninas me falaram que para eu ter visita intima era necessário vim um papel pra  assinar, e até agora não veio nada, mas mesmo assim eu estava muito ansiosa. Passo os dias pensando na visita passada, foi tão bom sentir aqueles beijos, abraçar o Caio e principalmente sentir o volume daquele cacete, que pelo que percebi parece ser enorme.

Desde quando vim para a ala das sentenciadas comecei a escrever tudo que eu sentia no meu caderno, fiz uma espécie de diário improvisado e nunca tinha nada de sentimentos bons, agora escrevo sobre as sensações que sinto quando penso no Caio. Hoje é dia de banho de sol a tarde, descemos em fila para o pátio e logo fui conversar com duas colegas de outra cela, papo vai, papo vem e uma interna de outra cela colou na roda e começou a falar.

- Se liga, Yasmin, tá ligada a Adryeli da sua cela??

- o que tem??

- Ela tá só fazendo buxixo com teu nome dentro da cadeia, esses dias estava com o papo que tu anda até roubando as donas lá da tua cela.

- é cada uma, né?! Ela tá assim, porque não tem coragem de bater de frente e que arrumar problema pro meu lado, e tudo por causa do boy que tá querendo tirar visita comigo.

- Eu boto fé, mana. Já ouvi isso mesmo. Cê tá ligada que as minas te consideram muito e sabem do seu proceder.

- Obrigada por me avisar.

- É nois toda hora, mana.

Olhei o pátio todo e vi a desgraçada perrequera do outro lado do pátio com as meninas da nossa cela, não pensei em mais nada e só saí correndo em sua direção e já cheguei metendo um monte de murro na cara dela.

- Socorro!! Socorro!

- Socorro é o caralho sua alma sebosa do caralho.

Ela estava caída no chão e eu continuei metendo murro na cara dele, logo senti duas agentes me puxando pelos cabelos.

- Ta Gostando de bater, neguinha? – perguntou uma agente

- Eu gosto de matar também, sua filha da desgraça!

Ela jogou spray de pimenta na minha cara e me levaram para um quarto que serve como parlatório nos dias de visitas. Ela e mais duas agentes me bateram muito mesmo, levei chutes nas costelas, na boca e muito choque elétrico na vagina. Como eu odeio essas agentes, odeio a forma como ela se acham superiores, odeio o tratamento que elas nos dão aqui dentro, se eu pudesse mataria elas sem pestanejar.

- Não vai gritar, vagabunda? – perguntou a maldita da agente

- A Carne negra é forte, desgraçada!! Antes meus ancestrais tinham os capitães do mato, agora temos vacas como vocês! Bate mais maldita, ainda tá pouco para o tanto de ódio que sinto de vocês.

Elas me bateram mais e de repente senti tudo escurecer. Acordei horas depois desnorteada dentro da cela de isolamento. Meu corpo todo doía, podia sentir me olho todo inchado e minha boca estava ensanguentada. Eu sinto tanta revolta dentro de mim nesse momento, eu sempre fui violentada, sempre. Dentro desse inferno, tínhamos que ser ressocializadas e não ganhar esse tratamento desumano. A sociedade nós ver como monstros, mas não percebem que elas mesmo criam os monstros, quando se negam a assumir a responsabilidade de exigir os direitos das pessoas. Direitos só é bonitinho no papel, mas na real não temos comida, não temos diversão, temos crimes, violência, drogas e esgoto a céu aberto nas quebradas, depois querem um país menos violento, um país de primeiro mundo. Um dia eu vou ter voz, e vou acabar com a raça dessas malditas e vou denunciar tudo que nós mulheres encarceradas passamos  na mão dessas desgraçadas.

Como eu odeio tudo que vivo, meu deus!! Eu só peço sabedoria para sair daqui com vida para denunciar todas essas barbaridades, e são muitas, quantas presas já morreram por causa da comida que nos mandam, enquanto as vacas de preto comem comida boa e ainda mostram pra gente, quantas mulheres morreram por omissão de socorro e por agressão. Não é justo vivemos dessa forma, ainda mais do tanto que sofremos na rua. A maioria das mulheres que estão aqui são pobres, faveladas e nunca tiveram a oportunidade de ter uma vida digna, somos segregadas, agredidas e violentadas por essa merda de desigualdade que existe no Brasil.

continua..

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