Uma amizade inesperada

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TEMA: Primeiras Vezes

Caiobás é conhecida por muitos como a cidade dos gays. Quem vive nela está acostumado a ver casais gays e lésbicos fazendo demonstrações públicas de afeto e isso não é um problema. Por ser relativamente grande, tendo pouco mais de um milhão de habitantes e muitas pequenas cidades à sua volta, a quantidade de pessoas LGBT que frequentam as baladas e bares gays da cidade é bem alta. Um público homossexual diverso lota as poucas, porém diferentes, opções de distração que são oferecidas.

Há balada para o público jovem alternativo que curte música pop; para pessoas que curtem eletrônica e não estão a fim de ir para um local elitizado; para os "renegados da sociedade", em que se encontram homens acima dos quarenta anos, drag queens, travestis e pessoas fora do padrão de beleza; e, por fim, há a balada "top" com "público selecionado" onde a elite gay e higienizada da região vai se divertir nas noites de sexta.

A maioria das pessoas que frequentam esta balada sempre notavam dois grupos de amigos que chamavam muito a atenção de quem dividia o ambiente com eles. Eram rapazes jovens, bonitos, fortes, brancos, ricos e que, aparentemente, possuíam vidas perfeitas. Quase todos os finais de semana pelo menos um desses dois grupos de amigos batia ponto no local.

Um dos grupos, formado por quatro amigos, era conhecido como "Os Lenhadores", pois todos possuíam barbas cheias, bem cuidadas e que enfeitavam quatro rostos esculpidos de maneira simétrica e harmoniosa. Quando entravam juntos na balada, os olhares se voltavam para os quatro. Quando homens de quase um metro e noventa de altura, com corpos musculosos e massivos, dentes brancos que iluminam sorrisos perfeitos andam juntos, a atenção de todos é voltada para eles. Leonardo, Pablo, Júlio e Mário se divertiam juntos como se não precisassem de mais ninguém. Raramente eram vistos pegando alguém na balada e nunca foram vistos se pegando, por mais que muitos achassem que os quatro se comiam sempre.

O outro grupo era conhecido como "Os Kens", já que seus cinco membros tinham corpos com baixíssima taxa de gordura, que volta e meia eram exibidos em fotos no Instagram que alcançavam mais de quatro dígitos de curtidas em poucas horas. Renan, Fred, Ricardo, Daniel e Lorenzo passavam horas na academia, não bebiam e gostavam de usar roupas de marcas caríssimas, porém sempre valorizando os atributos ganhados por meio de dieta, musculação e suplementos alimentares. Diferentemente dOs Lenhadores, os Kens não eram tão altos e não tinham barbas espessas, mas nem por isso chamavam menos atenção. Seus rostos privilegiadamente perfeitos eram cobiçados por quase todos os frequentadores daquela balada. E, se era bonito, se era carne nova e pisava naquele lugar, com certeza cederia ao encanto de um dos Kens. Os únicos homens bonitos que nenhum Ken pegou foram os Lenhadores.

Os grupos não eram inimigos nem havia uma rivalidade velada entre eles. Apenas não existia interesse mútuo em se integrarem. Os Kens se divertiam dançando e pegando os caras bonitos. Os Lenhadores se divertiam bebendo em seu canto, conversando como se nada mais no mundo fosse necessário, apenas os quatro reunidos. Se um Ken e um Lenhador se encontrassem em algum lugar fora da balada, eles se reconheciam, mas não se cumprimentavam, não por desprezo, mas por não se conhecerem e por medo de ficarem no vácuo.

Desde 2014 os grupos nunca apareceram incompletos na balada, até uma noite na metade de setembro de 2016 em que Os Lenhadores estavam desfalcados porque Pablo não estava com eles. Aparentemente os três estavam tão felizes como sempre, bebendo cerveja e conversando entretidos como se não se vissem há anos. O estranhamento era geral, mas não comentado. Onde estava o barbudo lindo dos olhos claros que sempre estava com os outros três? Ninguém iria saber.

Naquela noite Pablo estava em seu quarto chorando sem parar. Deitado em sua cama no escuro, se lamentava por ver sua vida destinada ao fim de maneira abrupta. Pouco mais de três meses atrás, o rapaz fizera seu checkup anual. O médico pediu alguns exames de sangue e, por impulso, ele pediu para que fossem incluídos os exames de HIV e Sífilis, só para confirmar que estava tudo bem mesmo. Não tinha como ele ter uma doença como HIV, ele era forte, saudável e se tivesse era óbvio que saberia. Quando estava tirando sangue, vieram lembranças de momentos em que ele chegou a colocar a cabecinha sem camisinha, ou quando deixou que fizessem isso, e teve aquela noite em que acabou a camisinha naquela putaria homérica de que participara em uma sauna de Berlim. Mas não, ele tomava muito cuidado em noventa e nove por cento das vezes, não seria possível que ELE tivesse algo.

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