Fossa das Marianas

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Tema: Colégio

O colégio interno São Ignácio ficava em uma reserva de 10 mil acres no meio da Mata Atlântica próximo à cidade de São Paulo. Os filhos das famílias mais poderosas do estado estudavam lá. O colégio garantia a melhor educação para os herdeiros que saíam preparados para estudar em qualquer Universidade que quisessem, contanto que estes estivessem interessados em investir em sua própria educação.

O colégio era misto, meninos e meninas estudavam juntos, entretanto cada sexo dormia em uma ala diferente do imenso prédio construído no início do século XX. A ala esquerda era habitada pelas meninas e a direita pelos meninos. No entanto, desde os anos 70, em média oito meninas apareciam grávidas por ano, educação sexual começou a fazer parte da grade curricular para alunos a partir da quinta série e uma especialista em aborto passou a trabalhar na enfermaria.

À medida que os anos avançavam, cada vez mais o corpo docente tinha dificuldade em lidar com os alunos que ficavam mais e mais rebeldes. Filhos de país riquíssimos, estes alunos pensavam que podiam tudo e tinham direito a tudo. Os professores sempre eram trocados: se algum aluno filho de um pai muito influente, que investe no colégio, fizesse alguma reclamação, por mais sem importância que fosse, o professor deveria ser trocado.

Os herdeiros das famílias que mais investiam milhões em doações no Colégio cresceram naquelas salas de aula e corredores. 2019 seria o último ano dos filhos mais novos destas famílias. Heli Zimerman, João Martini e Ed Lubich se conheceram no primeiro dia do primeiro ano primário e estavam entrando em seu último ano. Para os três, começar o terceirão era sinal de que eles seriam os donos daquele colégio, que comeriam as meninas que eles quisessem comer, que mandariam e fariam brincadeiras com os mais novos e que seriam respeitados por todos. Era um ano ansiado pelos três desde quando estavam na oitava série.

João era filho da família mais tradicional e mais poderosa de São Paulo, por isso, na pequena hierarquia que havia dentro do trio, ele era o líder, seguido de Heli e depois Ed.

Com o passar dos anos os três exploravam os terrenos do colégio e faziam muitas descobertas, eram indisciplinados, eram rebeldes e achavam que o mundo devia a eles, simplesmente por serem um Zimerman, Martini ou Lubich. Os professores faziam vista grossa para o comportamento deles e só poderiam interferir se eles ferissem ou prejudicassem algum outro aluno, o que nunca acontecera.

Em um desses passeios pelos terrenos encontraram uma cabana que devia pertencer a um antigo zelador, por haver ferramentas, tintas velhas, cordas, galões de gasolina, uma cama de solteiro com um colchão desconfortável, uma mesa e três cadeiras, entre outras muitas quinquilharias. Escondida no meio da mata, nenhum outro estudante daquele colégio aparentemente sabia dessa cabana, a não ser os três, e eles a mantiveram em segredo durante os cinco anos que frequentaram aquele local sozinhos.

A Holy Shack (como chamavam a cabana) era o local que os garotos usavam para conversar, beber e fumar maconha. A fidelidade que tinham um com o outro era tamanha, que mesmo que em algum momento um deles tivesse tido vontade de levar alguma menina para transar ali, o pacto que fizeram era maior que a vontade momentânea e jamais descumpriram essa regra de falar sobre o local para outras pessoas.

No domingo que antecedeu o início do ano letivo de 2019, carros e mais carros luxuosos deixavam seus filhos no colégio para que estes começassem mais um ano. No final da tarde os pais de Heli e Ed os deixaram lá. Os dois dividiam o dormitório. Largaram suas malas ao lado da cama e foram direto para o quarto de João, o único que não dividia quarto com outro aluno.

— E aê, mano! — Ed cumprimentou João com um aperto de mão assim que os dois entraram no quarto. — Como foi as férias?

— Itália é muito chata, não aguento mais — João respondeu indo até a escrivaninha ao lado de sua cama para fechar seu notebook. Sentou-se na cadeira e virou-se para os amigos, que estavam sentados em sua cama. — Em compensação descolei um carinha que me arrumou a melhor erva que já fumei.

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