CAPÍTULO DOIS

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Ela tinha uma plateia absorta enquanto pressionava o ouvido contra a camiseta rosa de Grace, escutando as batidas do seu coração, que não estavam lá. Eu não sei o que a velha pensou, mas ela começou a gritar e, de repente, viseiras brancas e rostos curiosos nos cercaram. Só quando Ben Cho cutucou a mão flácida de Grace com seu tênis é que percebemos que ela estava morta.

Os outros garotos começaram a gritar. Uma menina, Tess, estava chorando tanto que não conseguia respirar. Pequenos pés debandaram na direção da porta do refeitório.

Eu só fiquei sentado, cercado por almoços abandonados, olhando para o copo de gelatina e deixando o terror rastejar por mim até que meus braços e pernas parecessem congelados à mesa para sempre. Se o oficial de segurança da escola não tivesse vindo e me carregado para fora, eu não sei por quanto tempo teria ficado ali.

Grace está morta, eu estava pensando. Grace está morta? Grace está morta.

E a coisa piorou.

Um mês mais tarde, após as primeiras grandes ondas de morte, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças lançaram uma lista de sintomas, com cinco etapas, para ajudar os pais a identificar se seus filhos apresentavam risco de NAIA. Até então, metade da minha classe estava morta.

Minha mãe escondeu a lista tão bem que só a encontrei por acidente, quando subi no balcão da cozinha para procurar pelo chocolate que ela guardava em segredo atrás dos ingredientes para bolo.

Como identificar se seu filho apresenta risco, dizia o panfleto. Eu reconheci o tom laranja brilhante do papel: era o folheto que a srta. Roberts mandara para a casa dos poucos alunos remanescentes, dias antes. Ela o dobrara duas vezes e o prendera com grampos para evitar que o lêssemos. SOMENTE PARA OS PAIS DE ISAAC estava escrito do lado de fora, sublinhado três vezes. Três vezes era sério. Meus pais me deixariam de castigo por abri-lo.

Para minha sorte, já estava aberto.

1. Seu filho subitamente se torna taciturno e isolado e/ou perde o interesse pelas atividades que costumava apreciar.
2. Ele/a começa a ter dificuldade anormal em concentrar-se ou torna-se subitamente hiperconcentrado/a em tarefas, resultando na perda de noção do tempo e/ou negligência consigo mesmo ou com os outros.
3. Ele/a sofre de alucinações, vômitos, enxaquecas crônicas, perda de memória e/ou desmaios.
4. Ele/a torna-se propenso/a a explosões violentas, comportamento imprudente, incomum ou automutilação (queimaduras, machucados e cortes que não podem ser explicados).
5. Ele/a desenvolve comportamentos ou habilidades que são inexplicáveis, perigosos ou causam danos físicos a você ou a outrem.

SE O SEU FILHO DEMONSTRAR QUALQUER UM DOS SINTOMAS ACIMA, REGISTRE-O/A EM NAIA.GOV E ESPERE PELO CONTATO INFORMANDO O HOSPITAL LOCAL PARA O QUAL ELE/A DEVERÁ SER LEVADO/A.

Quando terminei de ler o panfleto, dobrei-o de volta com cuidado, coloquei-o exatamente onde o encontrei e vomitei na pia.

Vovó telefonou mais tarde naquela semana e, com sua forma usual, direta ao ponto, explicou tudo para mim. Crianças estavam morrendo a torto e a direito, todas mais ou menos da minha idade. Mas os médicos estavam trabalhando nisso e eu não deveria ter medo, porque eu era o neto dela e ficaria bem. Eu deveria ser bonzinho e contar aos meus pais se sentisse algo estranho, entendeu?

As coisas mudaram de ruins para aterrorizantes muito rapidamente. Uma semana depois que três das quatro crianças de minha vizinhança foram enterradas, o presidente fez um pronunciamento formal à nação. Mamãe e Papai assistiram à transmissão ao vivo pelo computador e eu escutei do lado de fora da porta do escritório.

- Meus amigos norte-americanos - o Presidente Gray começou. - Hoje nós enfrentamos uma crise devastadora, que ameaça não só a vida de nossas crianças, mas o próprio futuro de nossa grande nação. Quero confortá-los para que saibam que, nesse momento de necessidade, nós em Washington estamos desenvolvendo programas tanto para apoiar as famílias afetadas por essa terrível aflição quanto para cuidar das crianças, abençoadas o bastante para sobreviver a ela.

Eu gostaria de poder ter visto seu rosto enquanto ele falava, pois acho que ele sabia - tinha que saber - que essa ameaça, a mácula em nosso suposto glorioso futuro, não tinha nada a ver com as crianças que morreram. Enterradas no subsolo ou queimadas em cinzas, elas não podiam fazer nada além de assombrar as lembranças das pessoas que as amaram. Elas se foram. Para sempre.

E aquela lista de sintomas, que foi enviada para casa, dobrada e grampeada pelos professores, que foi transmitida centenas de vezes nos noticiários, enquanto os rostos dos mortos passavam no rodapé da tela? Eles nunca temeram pelas crianças que poderiam morrer ou pelos espaços vazios que elas deixariam.

Eles tinham medo de nós - aqueles que viviam.

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