CAPÍTULO SETE

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A Fábrica não era bem uma fábrica. Armazém provavelmente teria sido um nome melhor, porque o prédio consistia de apenas uma grande sala, com uma passarela suspensa sobre o chão de trabalho. Os construtores pensaram bastante ao instalarem quatro janelas grandes nas paredes leste e oeste, mas, como não havia aquecimento no inverno, nem ar-condicionado no verão, elas tendiam a deixar entrar mais intempéries do que luz do sol.

Os controladores do acampamento tentavam manter as coisas da forma mais simples possível; organizaram fileiras e fileiras de mesas em todo o comprimento do chão de concreto. Havia centenas de jovens trabalhando na Fábrica naquela manhã, todos em uniformes Verdes. Dez FEPs patrulhavam as passarelas acima de nós, cada um deles com seu rifle preto. Outros dez estavam conosco no chão.

Não era mais enervante do que sentir a pressão comum dos olhos deles vindo de todas as direções. E eu não tinha dormido bem na noite anterior, mesmo após um dia repleto de trabalho no Jardim. Fui para a cama com dor de cabeça e acordei com uma névoa brilhante de febre sobre o meu cérebro e, para piorar, com dor de garganta. Até mesmo minhas mãos pareciam letárgicas, meus dedos estavam duros como lápis.

Eu sabia que não estava mantendo o ritmo. De certa forma, era como se me afogasse. Quanto mais eu tentava trabalhar, manter minha cabeça acima da água, mais cansado eu me sentia e mais lento eu me tornava. Após um tempo, até mesmo sentar-me ereto era muito esforço e eu tive que me segurar na mesa para evitar mergulhar dentro dela. Na maioria dos dias, eu conseguia me safar com um ritmo lento. Eles não nos colocavam para fazer trabalhos importantes, também não tínhamos prazos para cumprir. Todas as tarefas que nos atribuíam eram apenas uma atividade bendita para manter nossas mãos em movimento, nossos corpos ocupados e nossas mentes mortas de tédio. Rob chamava isso de "recesso forçado" - eles nos deixavam sair de nossas cabanas e o trabalho não era difícil ou exaustivo como era no Jardim, mas ninguém queria estar ali.

Especialmente quando os valentões vinham para o playground.

Eu sabia que ele estava em pé, atrás de mim, muito antes de ouvi-lo contar os sapatos acabados e brilhantes na minha frente. Ele cheirava a carne temperada e óleo de carro, o que já era uma combinação perturbadora antes de uma borrifada de fumaça de cigarro ser adicionada à mistura. Tentei endireitar as costas sob o peso do seu olhar, mas parecia que ele tinha fechado os punhos e os cravado fundo entre minhas omoplatas.

- Quinze, dezesseis, dezessete... - como era possível que eles faziam até mesmo os números soarem afiados?

Em Thurmond, não podíamos tocar uns nos outros e estávamos muito mais do que proibidos de tocar nos FEPs, mas isso não significava que eles não podiam nos tocar. O homem deu dois passos para a frente; suas botas - exatamente como as que estavam sobre a mesa - cutucaram a parte de trás das minhas botas padronizadas. Como não respondi, ele passou o braço sobre meu ombro, sob o pretexto de analisar meu trabalho, e me pressionou contra seu peito. Acalme-se, eu disse a mim mesmo, enrolando a coluna para baixo, virando o rosto para a tarefa à minha frente, se acalme e logo isso acaba.

- Indigno - escutei o FEP grunhir atrás de mim. Seu corpo soltava calor suficiente para aquecer todo o prédio. - Você está fazendo tudo errado. Olhe, veja, garoto!

Dei a primeira olhada real para ele pelo canto do olho, enquanto ele arrancava o pano manchado de cera da minha mão e movia-se para meu lado. Ele era baixo, apenas um centímetro ou dois mais alto do que eu, com um nariz gorducho e bochechas que pareciam farfalhar sempre que respirava.

- Assim - ele dizia, polindo a bota que pegara. - Olhe para mim!

Um truque. Também não podíamos olhar diretamente nos olhos deles.

Ouvi alguns risos ao meu redor - não dos garotos, mas dos FEPs reunidos atrás dele.

Senti como se estivesse fervendo de dentro para fora. Era dezembro, e não havia como a fábrica estar mais quente do que quatro graus, mas fileiras de suor corriam pelas curvas das minhas bochechas, e senti uma dura e forte tosse subindo pela garganta.

Houve um leve toque no meu lado. Rob não podia tirar os olhos de seu próprio trabalho, mas eu vi os olhos dele deslizarem sobre mim, tentando avaliar a situação. Uma onda vermelha furiosa caminhava da garganta dele até o rosto, e eu só podia imaginar os tipos de palavras que ele estava guardando. Seu cotovelo ossudo encostou mais uma vez no meu, como se fosse para me lembrar de que ela ainda estava ali.

Então, com lentidão agonizante, senti o FEP mover-se atrás de mim de novo, tocando meu ombro e braço com o braço dele enquanto depositava a bota, com gentileza, de volta na mesa à minha frente.

- Essas botas - ele disse com uma voz baixa, ronronante, enquanto batia na caixa de plástico contendo todo o meu trabalho acabado -, você passou o cadarço nelas?

Se eu não soubesse o tipo de punição que receberia por isso, teria explodido em lágrimas. Quanto mais ficava ali, mais me sentia estúpido e envergonhado, mas não podia falar nada. Não podia me mover. Minha língua havia inchado para o dobro de seu tamanho normal atrás dos meus dentes cerrados. Os pensamentos que passavam pela minha cabeça eram leves e envoltos numa estranha qualidade leitosa. Meus olhos mal podiam focar agora.

Mais risos atrás de nós.

- Os cadarços estão todos errados.

O outro braço dele envolveu meu lado esquerdo, até que não havia um centímetro de seu corpo que não estivesse pressionado contra o meu. Algo novo surgiu em minha garganta e tinha um forte gosto de ácido.

As mesas em volta de nós tornaram-se totalmente quietas e silenciosas.

Meu silêncio só o agitou. Sem avisar, ele pegou o cesto de botas e o virou, deixando dezenas de botas espalhadas pela mesa e fazendo uma quantidade terrível de ruído. Agora todos na Fábrica estavam olhando. Todos me viam, colocado sob a luz.

- Errado, errado, errado, errado, errado! - ele cantou, derrubando as botas. Mas elas não estavam erradas. Estavam perfeitas. Eram apenas botas, mas eu sabia os pés que as vestiriam. Eu sabia que não podia estragar tudo.

- Você é tão surdo quanto é burro, Verde?

E, então, claro como o dia, grave como trovão, escutei Rob dizer:

- Essa era minha caixa.

Tudo o que pude pensar foi Não. Ah, não.

Senti o FEP virar-se atrás de mim, recuando de surpresa. Eles sempre agiam assim - surpresos, por lembrarmos como usar as palavras e como usá-las contra eles.

- O que você disse? - ele berrou.

Dava para ver o insulto subindo aos lábios dele. Ele o estava revirando em sua língua, como um pedaço de bala dura de limão.

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