ROBERT— ROB — E EU FOMOS COLOCADOS na Cabana 27, junto com os demais garotos do nosso ônibus que foram classificadas como Verdes. Catorze, no total, embora, até o dia seguinte, houvesse mais vinte. Eles subiram o número para trinta após uma semana, e continuaram enchendo a próxima estrutura de madeira ao longo do sempre ensopado e pisoteado caminho principal do acampamento.
Beliches eram atribuídos em ordem alfabética, o que colocou Rob diretamente acima de mim — uma pequena misericórdia, já que o resto dos garotos não era nada como ele. Eles passaram a primeira noite petrificados, em silêncio ou soluçando. Eu não tinha mais tempo para lágrimas. Eu tinha perguntas.
— O que vão fazer com a gente? — sussurrei para ele. Estávamos na última ponta à esquerda da cabana, nosso beliche empurrado contra o canto. As paredes da estrutura foram erguidas em tão pouco tempo que não haviam sido completamente vedadas. De vez em quando, uma lufada gélida ou um floco de neve assoviava do exterior silencioso.
— Não sei — ele disse baixinho. Algumas camas adiante, um dos garotos, enfim, entrou no esquecimento do sono, e seus roncos ajudavam a acobertar nossa conversa. Quando um FEP nos acompanhou até nossa nova residência, o fez com diversos alertas: nada de falar após as luzes se apagarem, nada de ir embora, nada de usar habilidades bizarras — intencionais ou acidentais. Era a primeira vez que eu ouvia alguém se referir ao que podíamos fazer como “habilidades bizarras” em vez da alternativa educada, “sintomas”.
— Acho que vão nos deixar aqui até encontrarem uma cura — Rob continuou. — Foi o que meu pai disse, pelo menos quando os soldados foram me buscar. O que seus pais disseram?
Minhas mãos não haviam parado de tremer desde antes, e sempre que tentava fechar os olhos, tudo o que eu conseguia ver eram os olhos vazios do cientista olhando bem dentro dos meus. A menção dos meus pais só piorou o pulsar da minha cabeça.
Não sei por que menti. Foi mais fácil, eu acho, do que dizer a verdade; ou talvez porque alguma pequena parte daquilo parecia ser verdade, de fato.
— Meus pais estão mortos.
Ele inspirou forte por entre os dentes.
— Queria que os meus estivessem também.
— Você não está falando sério!
— Foram eles que me mandaram para cá, não foram? — era perigoso o modo como sua voz se erguia. — É óbvio que eles queriam se livrar de mim.
— Eu não acho — comecei, apenas para me interromper. Meus pais também não quiseram se livrar de mim?
— Deixa para lá, tá tudo bem — ele disse, embora, era claro, não estivesse e nunca estaria tudo bem. — Vamos ficar aqui, juntos, e, quando sairmos, poderemos ir para onde quisermos, sem ninguém para nos impedir.
Minha mãe costumava dizer que, às vezes, só o fato de dizer algo em voz alta era o bastante para que fosse verdade. Eu não tinha certeza daquilo, mas da forma como Rob disse, com uma queimação suave por trás de suas palavras, comecei a repensar. De repente, parecia possível que funcionaria daquele jeito — que, se eu não pudesse ir para casa, eu ainda ficaria bem no final das contas, se eu ficasse ao lado dele. Era como se, a qualquer lugar que Rob fosse, um caminho se abriria atrás dele; tudo o que eu tinha a fazer era ficar atrás de sua sombra, fora da linha de visão dos FEPs, evitando fazer qualquer coisa que pudesse chamar atenção para mim.
Funcionou assim por cinco anos.
Cinco anos parece uma vida quando um dia escorre para o próximo e seu mundo não se estende para além da cerca elétrica cinza, que rodeia dois quilômetros de prédios ordinários e lama. Eu nunca fui feliz em Thurmond, mas era tolerável porque Rob estava lá para que fosse assim. Ele estava lá com a ironia quando Victor, um de nossos companheiros de cabana, tentou cortar o próprio cabelo com tesouras de jardinagem para parecer mais “estiloso” (“Para quem?”, Rob murmurara, “para o reflexo dele no espelho do vestiário?”); com a tola expressão estrábica, pelas costas do FEP, dando-lhe um sermão por ter falado novamente fora de sua vez; e o firme — porém gentil — choque de realidade quando a imaginação dos garotos começava a correr solta ou quando surgiam rumores sobre os FEPs nos deixarem ir embora.
Rob e eu éramos realistas. Sabíamos que não seríamos libertos. Sonhar levava à decepção, e a decepção a um tipo de depressão que não era fácil de curar. Melhor ficar na penumbra do que ser devorado pela escuridão.
Após dois anos em Thurmond, os controladores do acampamento começaram a trabalhar na Fábrica. Eles falharam em reabilitar aqueles que eram perigosos e os rebocaram à noite, mas as “melhorias” não pararam por aí. Ocorreu-lhes que o acampamento precisava ser totalmente “autossuficiente”. Daquele momento em diante, cultivaríamos e cozinharíamos a própria comida, limparíamos os vestiários, confeccionaríamos nossos uniformes, e até mesmo os deles.
A estrutura de tijolo ficava no final do lado oeste do acampamento, contido numa extremidade do longo retângulo de Thurmond. Eles nos fizeram cavar a fundação para a Fábrica, mas os controladores do acampamento não confiaram em nós para, de fato, construí-la. Nós a observamos crescer, andar por andar, imaginando para o que serviria, e o que eles fariam conosco ali. Isso foi quando todos os tipos de rumores estavam flutuando como dentes-de-leão ao vento — alguns pensavam que os cientistas voltariam para mais experimentos; outros pensavam que o novo prédio era para onde mandariam os Vermelhos, Laranjas e Amarelos se e quando voltassem; e alguns pensavam que era onde se livrariam de nós, de uma vez por todas.
— Vamos ficar bem — Rob me dissera uma noite, logo antes de desligarem as luzes. — Não importa o que aconteça, você entendeu?
Mas não ficou tudo bem. Não estava tudo bem naquela época, e não está tudo bem agora.
Não se podia conversar na Fábrica, mas sempre havia meios de contornar isso. Na verdade, o único momento em que podíamos falar uns com os outros era em nossa cabana, antes de as luzes se apagarem. Em todos os outros lugares, era só trabalho, obediência, silêncio. Mas não se pode durar por anos sem desenvolver um tipo diferente de linguagem, formada por sinais furtivos e olhares rápidos. Hoje nos fizeram polir e recolocar os cadarços das botas dos FEPs e apertar os botões dos uniformes deles, mas o simples balançar de um cadarço preto solto e um olhar na direção do garoto à sua frente — o mesmo que o tinha chamado de uma palavra horrível na noite anterior — falava em alto volume.
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Mentalistas
Teen FictionGente antes que falem esse livro é baseado no Livro Darkes minds eu só mudei a história e os personagens o sistema de poderes e enredo continua o mesmo. Em um mundo apocalíptico, onde uma pandemia mata a maioria das crianças e adolescentes da Améri...