CAPÍTULO CINCO

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— Nome?

Eu estava olhando para uma cama dobrável e para a estranha e cinzenta máquina em formato de auréola que havia sobre ela.

O rosto do casaco branco apareceu de trás do laptop sobre a mesa. Ele era um homem de aparência frágil, cujos finos óculos prateados pareciam estar em sério perigo de deslizar de seu nariz a cada movimento rápido. Sua voz era anormalmente aguda e ele não falava as palavras, mas, sim, as guinchava. Pressionei as costas contra a porta fechada, tentando criar um espaço entre mim, o estranho e a máquina.

O casaco branco seguiu meu olhar até a cama dobrável.

— É um scanner. Não precisa ter medo.

Eu não devo ter parecido convencido, pois ele continuou:

— Você já quebrou algum osso ou bateu a cabeça? Você sabe o que é uma máquina de tomografia?

Foi a paciência em sua voz que me atraiu mais um passo à frente. Eu sacudi a cabeça.

— Em um minuto, vou deitá-lo e usar essa máquina para verificar se está tudo bem com a sua cabeça. Mas, primeiro, você precisa me dizer o seu nome.

Verificar se está tudo bem com a sua cabeça. Como ele sabia?

— Seu nome — ele disse, com as palavras um pouco mais afiadas.

— Isaac — respondi, e tive que soletrar meu sobrenome.

Ele começou a digitar no laptop, distraído por um momento. Meus olhos desviaram de volta para a máquina, imaginando o quão doloroso seria ter o interior da cabeça inspecionado. Imaginando se ele poderia, de alguma forma, enxergar o que eu fiz.

— Caramba, estão ficando preguiçosos — o casaco branco resmungou, mais para si mesmo do que para mim. — Eles pré-classificaram você?

Eu não tinha ideia do que ele estava falando.

— Quando eles te pegaram, fizeram perguntas? — ele indagou, em pé. A sala não era nem um pouco grande. Em dois passos, ele estava ao meu lado e eu entrei em pânico total em duas batidas do meu coração. — Seus pais reportaram seus sintomas aos soldados?

— Sintomas? — guinchei em voz alta. — Não tenho sintomas. Eu não tenho...

Ele balançou a cabeça, parecendo mais irritado do que outra coisa.

— Calma; você está seguro aqui. Não vou te machucar. — O casaco branco continuou falando, com a voz estável, com algo tremeluzindo em seus olhos. As falas pareciam ensaiadas.

— Existem muitos tipos diferentes de sintomas — ele explicou, inclinando-se para olhar em meus olhos. Tudo o que pude ver foram seus dentes da frente tortos e os círculos escuros cercando seus olhos. Seu hálito cheirava café e hortelã. — Muitos tipos diferentes de... crianças. Vou tirar uma foto do seu cérebro e isso nos ajudará a colocá-la junto com os outros que são como você.

Eu balancei a cabeça.

— Eu não tenho sintoma nenhum! A Vovó está vindo, está sim, eu juro. Ela vai te contar, por favor!

— Diga-me, querido, você é muito bom em matemática e quebra-cabeças? Os Verdes são incrivelmente inteligentes e possuem memória surpreendente.

Minha mente voltou para os garotos do lado de fora, para o X colorido nas costas de suas camisetas. Verde, pensei. Quais eram as outras cores? Vermelho, Azul, Amarelo e...

E Laranja. Como a garota com a boca sangrando.

— Tudo bem — ele disse, respirando bem fundo. — Apenas deite-se naquela cama e vamos começar. Agora, por favor.

Eu não me movi. Os pensamentos corriam muito depressa na minha cabeça. Era uma luta até mesmo olhar para ele.

— Agora — ele repetiu, dirigindo-se até a máquina. — Não me faça chamar um dos soldados. Eles não serão nem um pouco legais, acredite. — Uma tela no painel ao lado ganhou vida com um único toque e, então, a máquina se iluminou. No centro do círculo cinza havia uma luz brilhante, piscando, enquanto se ajustava para outro teste. Exalava ar quente em baforadas e chiados que pareciam pinicar todos os poros do meu corpo.

Tudo o que eu conseguia pensar era, Ele vai saber. Ele vai saber o que fiz com eles.

Minhas costas estavam encostadas na porta mais uma vez, minha mão buscava pela maçaneta às cegas. Todos os sermões que meu pai tinha dado sobre estranhos pareciam tornar-se realidade. Esse não era um lugar seguro. Esse homem não era bonzinho.

Eu estava tremendo tanto que ele deve ter pensado que eu ia desmaiar. Ou isso, ou ele iria me forçar a deitar na cama e me segurar ali até que a máquina descesse e se travasse sobre mim.

Eu não estava pronto para correr antes, mas estava agora. Enquanto meus dedos apertavam a maçaneta, senti a mão dele avançar através da desgovernada massa cinza do meu cabelo e apanhar a minha nuca. O choque de suas mãos geladas sobre minha pele ruborizada me fez recuar, mas foi a explosão de dor na base do meu crânio que me fez gritar.

Ele me encarou, sem piscar, com os olhos subitamente desfocados. Mas eu estava vendo tudo — coisas impossíveis. Mãos batucando no volante de um carro, uma mulher com um vestido preto inclinando para me beijar, uma bola de beisebol voando em direção à minha cara, uma vastidão infindável de campo verde, uma mão passando pelo cabelo de uma garotinha... As imagens passavam atrás dos meus olhos fechados como um velho filme caseiro. Os formatos das pessoas e dos objetos queimavam em minhas retinas e ficavam ali, flutuando atrás das pálpebras como fantasmas famintos.

Não são minhas, minha mente gritou. Elas não pertencem a mim.

Mas como poderiam ter sido dele? Cada uma das imagens… seriam memórias? Pensamentos?

Então eu vi mais. Um garoto, a mesma máquina escaneadora acima dele piscando e fumegante. Amarelo. Eu senti as palavras nos meus lábios, como se eu estivesse ali para dizê-las. Vi uma garotinha ruiva do outro lado de uma sala, bem parecida com esta; eu a vi levantar um dedo, e a mesa e o laptop na frente dela se ergueram bem acima do chão. Azul — de novo, a voz do homem na minha cabeça. Vi um garoto segurando um lápis entre as mãos, estudando-o com aterrorizante intensidade — o lápis irrompendo em chamas. Vermelho. Cartas com imagens e números nelas, seguradas na frente do rosto de uma criança. Verde.

Fechei os olhos com força, mas não consegui me afastar das imagens que vinham a seguir — as filas de monstros marchando, amordaçados. Eu estava em pé, bem acima, olhando para baixo através de um vidro respingado pela chuva, mas vi as algemas e as correntes. Eu vi tudo.

Não sou um deles. Por favor, por favor, por favor...

Caí de joelhos, apoiando as mãos contra o piso, tentando não vomitar em mim e no chão. A mão do casaco branco ainda segurava minha nuca.

— Eu sou Verde — solucei, com as palavras meio perdidas por causa do zumbido da máquina. Antes a luz estava brilhante, mas agora só amplificava o pulsar atrás dos meus olhos. Encarei o olhar vazio dele, desejando que ele acreditasse em mim. — Eu sou Verde... por favor, por favor...

Mas eu vi o rosto da minha mãe, o sorriso que a garota da boca quebrada me dera, como se tivesse reconhecido algo de si mesmo em mim. Eu sabia o que eu era.

— Verde...

Olhei para cima, em direção ao som da voz que flutuava até mim. Olhei e ele me encarou de volta, com os olhos desfocados. Ele murmurava algo agora, com a boca empapada, como se mastigasse as palavras.

— Eu sou...

— Verde — ele disse, balançando a cabeça. Sua voz soava mais forte. Eu ainda estava no chão, quando ele foi desligar a máquina, e fiquei tão chocada quando ele voltou para sentar-se à mesa que, de fato, nem consegui chorar. Mas foi só no momento em que ele pegou o spray verde e desenhou aquele enorme X nas costas da camiseta do uniforme para me entregar que lembrei de começar a respirar.

Tudo ficaria bem, eu disse a mim mesmo, enquanto voltava pelo corredor frio, descendo as escadas até os garotos e os homens uniformizados que me aguardavam lá embaixo. Foi naquela noite, enquanto estava deitado, acordado, em meu beliche, que percebi que só tive uma chance de correr — e eu não a aproveitei.

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