4.

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|| Ruby ||

Coloco a minha mão desocupada dentro da bolsa que está sobre o meu ombro e início uma procura pelas chaves de casa na confusão que me esquecia sempre de reorganizar. Estava com um enorme saco de compras sobre o braço esquerdo e os óculos de sol mal presos sobre a parte superior da minha cabeça ameaçam cair juntamente com o meu cabelo solto que se coloca de uma forma impertinente à frente dos meus olhos.

Já eram 11:30, a Abigail deveria estar acordada a fazer as limpezas, mas em vez disso, ressonava e dormia como uma pedra enquanto eu desesperada com as compras para a semana tentava encontrar as chaves perdidas.

Suspiro de alívio quando a minha pele entra em contacto com o metal frio do objeto e abro a porta o mais rápido possível acabando por tropeçar numas botas esquecidas da Abigail à porta de entrada.

"Merda, merda, merda!" Praticamente grito vendo todas as embalagens a rebolar pela alcatifa e esforço-me ao levantar-me, o impacte da minha anca com o chão tinha sido forte.

"Uhm, deixa-me dormir, primeiro dia de férias e não consegues descansar." A voz ensonada da Ali soa dentro dos lençóis e destapo-a totalmente, enervada com a inércia da minha amiga e colega de apartamento.

"Bem, há pessoas que trabalham para manter a merda do apartamento que temos em vez de dormir e ignorar alguma proposta de trabalho dos jornais." Levanto a minha voz totalmente irritada e um suspiro sai da sua boca. Ela sabia que eu tinha razão.

"Mas não me podes deixar dormir só hoje?"

"Não." Digo o mais durante possível. "Estou farta de suportar as despesas do apartamento sozinha, quando chegamos ao fim do mês nunca temos dinheiro suficiente nem para comer."

Sinto-a a encolher-se com o meu tom de voz e respiro profundamente tentando acalmar-me enquanto ela se levanta do colchão. A Abigail era frágil e detestava quando gritava com ela, mas neste caso não me estava a dar outra oportunidade. Nós precisávamos de dinheiro e urgentemente porque se não o conseguíssemos íamos viver para a rua e não tínhamos nem se quer nenhuma possibilidade de continuar no ballet.

"Talvez se não gastasses tanto dinheiro em cigarros vivêssemos melhor." Ela fala tão baixo que se torna difícil de ouvir para mim e reviro os olhos. Sempre que discutíamos por causa disto ela usava a desculpa do tabaco e ambas sabíamos que isso era algo que não podia deixar. O tabaco era o meu vício.

"Chega com esta conversa Abi, tu vais encontrar a porra de um emprego e ponto."

Avisto o jornal na mesa mais perto do balcão da cozinha e ando rapidamente até ele atirando-o pelo ar em direção à Abigail. Vai ter perto da sua cama.

Apanho as compras espalhadas pelo chão colocando-as de novo dentro do saco castanho de papel e arrumo tudo nos sítios preparando-me para fazer o almoço. Hoje era a minha vez.

O nosso apartamento era razoavelmente amigável. Era pequeno, sim, demasiado pequeno mesmo para um T0 e a falta de privacidade entre divisões provavelmente ia fazer confusão à maioria das pessoas mas a mim é à Abigail não. Este apartamento era pelo menos 5 vezes maior que o lar de adoção e acolhimento em que tive de viver 10 anos, com condições não muito humanas e sem lençóis lavados durante demasiadas semanas. Sair de um orfanato para algo assim era o sonho de qualquer criança sem pais, e nós tínhamos sido das poucas pessoas a consegui-lo. Tirando, claro, as que tinham sido adotadas.

"Hey sabes o que podias fazer hoje?" A voz da Abi desperta-me e viro-me do fogão para encara-la na mesa de jantar com os óculos velhos na ponta do nariz. Era sempre hilariante a visão.

"Podias ligar ao teu amigo, o da discoteca... Talvez ele possa combinar alguma coisa com os 5sos."

Reviro os olhos. Desde que lhe contei o que se tinha passado na noite do espetáculo que ela não conseguia falar de outra coisa. Passava os dias a dizer-me para ligar o meu fantástico amigo (que não chegava a ser meu amigo) e a moer-me a cabeça como conhecer os rapazes outra vez era uma oportunidade única. Ela praticamente já tinha imaginado um filme em que iria ficar famosa graças a mim, e certamente isso nunca ia acontecer. E eu, agora que me recordo, não percebo como raio comecei a falar para aquele rapaz que de um momento para o outro conseguiu a única maneira de comunicar comigo.

Hopeless || {C.H.}Onde histórias criam vida. Descubra agora