Naquele dia Eva chegou com um sorriso estranho... estava mais calada, mais pensativa. Seu primeiro comentário foi que da mesma forma que o pecado foi fundamental para a evolução de Eva e Adão, fazer uma loucura pode ser essencial para se manter a sanidade mental.
Disse que queria um café, quente e amargo. Eu preparei e a servi.
Ela começo seu relato.
- Conheci um homem no Tinder. Parecia ser bacana, mas acabou sendo inesperado. No começo a conversa fluiu bem e estranhamente eu me senti a vontade com ele, como se o conhecesse há anos. Do Tinder fomos para o messenger do Facebook. Como pode alguém que eu mal conheci me deixar tão a vontade? Era estranho, mas não quis dar as costas a esta novidade antes de ver de perto. Não demorou muito a estarmos amigos de bom dia, boa noite no Whatsapp, até que ele me convidou para um jantar no sábado. Prontamente aceitei sem saber que ele é quem iria preparar nosso jantar. Não queria ir na primeira vez na casa dele, mas já havia aceitado...
Cheguei à sua casa pontualmente as 20 horas daquele sábado. Ansiosa toquei a campainha. Seria a primeira vez que nos veríamos. Ele apareceu sorridente. É um homem alto, forte, um pouco barrigudinho, tinha barba, usava óculos na ponta do nariz. Embora do frio daquela noite, estava com um jeans e camiseta branca, estava de chinelo de dedos e tinha os cabelos desalinhados. Ao sair porta afora retirou da cintura um pano branco, destes de saco de farinha, que lhe servia como avental. Me abraçou sem dada dizer. Que abraço estranho era aquele? Senti como seu corpo todo me abraçasse, como se eu tivesse entrado em um outro planeta, onde nada pudesse me atingir. Um abraço em que a gente se sente protegida, segura. Não parava de pensar que aquela era uma figura muito estranha. E em um frio daqueles, o homem estava só de camiseta, mas ao me abraçar pude perceber como seu corpo estava quente. Foi um longo abraço, de quem sabe abraçar. Eu pequenina mergulhada naquele abraço.
Perfumado, tinha os cabelos umedecidos. Era claro que tinha saído do banho a pouco. Cheirava uma mistura de sabonete Phebo, perfume VipMan e temperos aromáticos... Era um cheiro bom que despertava meu apetite, tanto gastronômico quanto sexual. Me levou para dentro me tratando como a uma velha amiga de quem tinha saudades. Seu cachorro veio me saudar. Ela um Border Collie, lindo e educado.
A mesa estava posta, nela havia três garrafas de vinho com velas na boca, uma caixa de fósforos ao lado. Para cada um, três pratos, dois copos, tipo destes de vinho, garfo, faca e colheres. Um guardanapo de linho sobre o prato. Pensei que nem saberia como me portar naquela mesa, me senti insegura. Também tinha uma jarra estranha de vidro com vinho dentro, eu supus. Descobri ser um decanter onde o vinho já respirava. Nem sabia que vinho respirava... Ele explicou que o gás carbônico do vinho tranquilo produz com a água ácido carbônico e a função do decanter seria liberar o gás, corrigindo o pH da bebida. Também aprendo que vinho sem espuma se chama tranquilo...
- Eu separei um tinto, seco, tranquilo, rico em tanino, espero que aprecie, ele disse.
Eu enrubesci. Não era capaz de acompanhar aquela linha de pensamento e ele percebeu. Vamos jantar lasagne com medalhão de patas de frango. A lasagne é bem rica em noz moscada, então, para acompanhar precisamos de um vinho de sabor forte também. Pratos fortes, vinho encorpado. O tanino do vinho é aquela coisa que amarra a bocada gente, se solta na fermentação, sai da casca, das ramas... Eu aprecio muito, espero que a agrade também.
Acendeu as velas dos castiçais de garrafa, serviu em um dos copos, o de boca mais larga, com água com gás, o outro com o vinho que descansava no decanter. Me ofereceu a água, para lavar a boca e depois o vinho. Brindamos em silêncio, ele apenas me fitando com aqueles olhos esverdeados. Notei que ele tomou um bom gole do vinho, mas antes de engolir, bochechou o vinho na boca, demorando algum tempo antes de engolir o primeiro gole. Estalou a língua na boca dizendo: - Eu não sei se você gosta de vinho forte, mas se gostar, este sem dúvida está uma delícia.
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VINTE CONTOS
Short StoryUma coletânea de contos adultos, recheados de imaginação e fantasia em um contexto de realidade, na busca dos conflitos de cada uma das personagens.   O autor, médico veterinário especializado em medicina chinesa (acupuntura) a huma...