O vôo do falcão - Conto 07

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O dia ainda era noite quando os pistões  da Honda 700V Transalp explodiam em plena potência.  Falcão olhou para os lados como se procurasse por mais alguém, mas ninguém havia.

- "Primeira para baixo,  o resto é para cima!" - Ele se referia ao slogan da sequência das marchas das motos Honda. Era, cerca de 5 horas da manhã.

Antes de partir, verificou se tudo estava em ordem. Estava todo de preto, botas de couro, tipo cuturno reforçado, calça e jaqueta em couro, com refletores, capacete vermelho. Parecia mais um picapau negro que um falcão, mas estava bem.

Seu coração batia forte como o motor da moto... tum, tum tum, quebrando o silêncio virginal de uma noite quente.

Falcão olhou para dentro de si, pensando nas palavras do sábio Confucio:  "O homem superior tranqüiliza sua própria pessoa antes de se pôr em movimento; concentra-se interiormente antes de falar; consolida seus relacionamentos antes de solicitar alguma coisa". Bem, ele estava tranquilo, embora da ansiedade, nada iria falar, e a única pessoa com quem iria se relacionar seria consigo mesmo.

Lembrou da noite anterior, em que discutia com sua esposa sobre a viagem. Iria fazer uma longa jornada, sozinho. Uma peregrinação, um busca ao encontro de si mesmo. Não haveria ninguém ao seu lado pelos próximos muitos quilômetros, muitos dias. Quando voltasse, seria outra pessoa. 

Coração batendo na garganta, apertou a embreagem, pisou no câmbio para baixo, a luz verde indicativa do ponto neutro se desligou. Seria agora ou nunca. 


Partiu jornada!

Alcançou a rua, desceu para a avenida, tomando a via de saída da cidade, que inocente dormia. Logo estaria na estrada.

Ligou os faróis auxiliares que mandara instalar. Luz de Led, baixo consumo e boa iluminação. No capacete, o som de músicas chinesas de cura vinham de um pequeno dispositivo sonoro instalado.

Algum tempo depois, o sol já aparecia nas suas costas, sinal que navegava rumo oeste. O caminho era este.

Para quem viaja de moto sabe, existe a regra dos 150 km, ou, das 100 milhas. Isso significa que a cada 100 milhas, ou 176 km, o motociclista tem de parar e descer da moto. É uma regra fundamental. Se relaciona com reflexos e segurança. Esta regra não pode ser negligenciada. São quinze minutos, no mínimo para se estar fora da moto.

Ele viajava em uma Honda 700V modelo Transalp, dourada, com 350 km de autonomia de combustível, apelidada de "Lorinha". Gavião dizia que aquela era sua melhor amante.

O led da Transalp mostrava ser cerca de seis horas da manhã. Havia trafegado cerca de 300 Km sem se dar conta. Eu tenho de parar, pensou. A frente as placas de um posto de gasolina. Parou. Na bomba mandou completar o tanque, verificou o óleo e os pneus, a corrente. Tudo certo. Colocou o capacete no retrovisor e entrou na loja de conveniência.

- Um café preto, sem açúcar por favor. A moça que atendia, evidentemente acabando seu turno, encheu a xícara e colocou sobre o balcão, automaticamente, sem nada dizer.

Falcão tomou seu café, pagou e saiu.

Voltou para a moto, mudou a base das músicas e retomou a estrada ouvindo velhas canções de Led Zeplin. Logo a frente desligou os auto falantes e continuou em silêncio. Queria ouvir o som de seus pensamentos.

Onze horas da manhã, auto posto à frente, as 100 milhas já haviam estourado novamente. Preciso prestar mais atenção a isto, Pretendia estar em Montevidéu ainda no mesmo dia, embora uma viagem de cerca de 1900km, mas queria dar uma boa arrancada enquanto ainda estava ansioso para viajar. Nos dias seguintes iria mais lentamente. 

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