A família Ferrati

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Lorenzo parecia agora entretido com a paisagem e Maria ao perceber que tinha conseguido o seu intento voltou a ler o seu livro, sendo que entre uma virada e outra de página dava uma olhada para o jovem médico a sua frente com um sorriso irônico en...

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Lorenzo parecia agora entretido com a paisagem e Maria ao perceber que tinha conseguido o seu intento voltou a ler o seu livro, sendo que entre uma virada e outra de página dava uma olhada para o jovem médico a sua frente com um sorriso irônico entre os lábios.

Os pensamentos de Lorenzo trataram de se voltar para o seu interesse ou o verdadeiro motivo de estar retornando: concluir sua vingança.

O pai de Lorenzo se chamava Enrico, ele e seu irmão mais velho, Dominico, imigraram da Itália para o Brasil sua família possuía uma pequena propriedade, acontece que os impostos em sua terra se tornaram exorbitantes, afinal existia-se um preço a pagar pela unificação italiana ocorrida entre 1861 a 1870, os altos impostos levaram a sua família a um grande endividamento e por fim a perca da pequena propriedade. Acreditando que existia melhores oportunidades no Brasil os irmãos vieram para cá com a intenção de trabalhar nas lavouras de café. Não demorou muito tempo para os imigrantes descobrirem que o prometido estava longe do obtido, a viagem havia sido custeada pelo proprietário da fazenda e por mais que trabalhassem o resto da vida lá nunca conseguiriam quitar a dívida que apenas aumentava com as despesas no armazém da fazenda. Não se sabe direito como os dois fugiram da fazenda, apenas que andaram de um lado para o outro até chegarem em Sorocaba, lá os dois irmãos chegaram bem no período das famosas feiras que ocorriam na cidade e por lá conseguiram algum trabalho, não demoraram a desenvolver relações de amizade com os tropeiros, os quais lhe contaram sobre a existência de colônias de italianos ao sul do país em terras conhecidas como Rio Grande de São Pedro que um dia viriam a ser chamadas de Rio Grande do Sul.

Ao final da feira Enrico e Dominico se juntaram a tropeiros que iam em direção ao sul com o objetivo de se integrarem a essas colônias, acontece que nem foi preciso que descessem tanto ao sul e ao chegar em Ponta Grossa tomaram conhecimento de algumas famílias italianas que por ali estavam, foi quando os dois decidiram tentar a sorte por ali mesmo, e assim o fizeram! Despediram-se dos tropeiros e foram de encontro aos italianos que ali residiam. Primeiro conheceram um tal de Geraldino, um homem de meia idade e costumes simples, esse ofereceu hospedagem aos irmãos meio que a contragosto, estava desconfiado da história dos dois e em seu íntimo imaginava que aqueles rapazes deveriam ter aprontado alguma por aí. Assim, buscando se livrar dos irmãos os apresentou ao senhor Francesco Martino, dentro dos italianos que por ali residiam de longe era o mais abastado. O homem tinha bons olhos para os negócios e ao chegar na região encontrou grandes arvores como as majestosas araucárias e ainda madeira de lei como a imbuia, logo não pensou duas vezes em construir uma pequena serraria. Aos poucos Francesco foi se firmando no negócio e na época que os dois irmãos por ali chegaram estava prestes a ampliar o seu negócio. Os irmãos foram recebidos pelo serralheiro que além de ter empregado os dois disponibilizou um pequeno rancho, que ficava perto da serraria, para os dois.

Francesco era um homem correto em suas atitudes como também religioso, tinha perdido a sua esposa e seu filho mais velho ainda na Itália, apesar disso manteve sua fé intacta e jamais ousou a questionar Deus por ter tomado sua esposa e seu único filho varão, apenas rezava para que desse um bom futuro a sua filha Geovana e a sua afilhada Antonela. Talvez tenha visto a chegada dos irmãos como um ato divino, quem sabe estaria atendendo as suas preces, afinal o criador se manifesta através de pequenas coisas ou pelo menos assim pensava Francesco. E é justamente aqui que a amizade entre os irmãos começara a desandar, quem sabe estivessem sendo testado pelo pai eterno ou apenas pela vida. Geovana que na época tinha apenas dezesseis anos já despontava como sendo muito bela, ainda se tratava da única filha de Francesco e bastou os jovens colocarem o olho nela para que ambos ficassem apaixonados pela moça, iniciando uma disputa pelo seu coração. Já Antonela não era tão atraente como ela, mesmo assim dispunha de uma boa aparência, os pais da jovem chegaram junto com Francesco ao Brasil. Contudo, acabaram rodando um pouco pela região, e Antonela acabou ficando aos cuidados de seu padrinho, enquanto seus pais procuravam um bom lugar para se fixar. O fato que desde que deixaram a jovem nunca mais haviam dado notícias, por isso alguns diziam que estavam mais ao sul, outros falavam que tinham ido para São Paulo, o certo que ninguém sabia nem se ainda estavam vivos. Claro que Francesco notou que os jovens estavam arrastando asa para cima de sua filha, como também não via mal nisso, pois sabia que hora ou outra ela teria que se casar, conforme os costumes de seu tempo, e por qual motivo não poderia ser um daqueles jovens? Os dois eram trabalhadores e sempre o tratavam com o máximo respeito e um deles ganhara a sua atenção em especial, refiro-me a Dominico, de alguma forma Francesco desenvolveu uma relação muito amistosa com o mesmo como se tivesse o adotado como filho, os dois passavam muito tempo conversando e não demorou para o "italianinho" como era conhecido na região se tornar seu braço direito. Se Dominico estava na vantagem com o pai da jovem com ela era diferente a garota preferia seu irmão mais novo, Enrico, esse possuía um rosto que agradava as moças e um sorriso que as encantava, além disso era falador e gostava de contar casos. Não era apenas de Geovana que ele tinha a preferência a tinha também de Antonela, que sempre estava tentando agradá-lo seja preparando alguns quitutes ou se oferecendo para arrumar as roupas do rapaz. Tudo isso despertava o sentimento de inveja por parte de Dominico que via seu irmão ficar com Geovana e ainda a serraria.

Com o passar do tempo a disputa dos irmãos foi ficando mais acirrada e foi quando Dominico percebeu que não conseguiria ganhar se dependesse apenas da preferência de Geovana, para vencer ele se aliou a Antonela. Nessa época eram comuns os famosos "bailes de família", os tais bailes eram conduzidos por músicas alegres ao som de gaitas, violões e voz. Os imigrantes de maiores números não eram os italianos e sim os "polacos" sendo chamados assim qualquer um que fosse de origem russa, alemã ou austríaca. Um que os italianos costumavam participar era feito na casa de seco e molhados do senhor Nikolai, um imigrante russo, que sempre costumava ceder o espaço para as ditas festas. Como sempre os dois "italianinhos" estavam no meio dos "polacos", dançavam as musicas alegremente com as moças e num dos cantos do local Geovana observava o amado entre um cumprimento e outro que Enrico lhe fazia, o pai da moça estava ao seu lado e como de costume estava tomando um bom vinho, enquanto admirava a contagiante alegria que se formava pelo local. Quem acompanhava mais distante aquela noite era Dominico esperando pelo momento certo de fazer a sua jogada no jogo da vida. Quando Enrico se preparava para mais uma dança Antonela se aproximou e o convidou, ele fez um pequeno comprimento e aceitou o convite, os dois dançaram por todo salão por mais que não parecesse nada demais já que era normal de os dois serem vistos dançando estranhamente aquela noite parecia diferente, talvez estivessem mais próximos que o normal, foi quando alguém fez um pequeno comentário ao pé do ouvido do senhor Francesco: "os dois estão enamorados?". O senhor não soube responder e por isso preferiu nada comentar sobre o assunto a quem lhe intercalava, de qualquer forma a sementinha fora plantada em sua cabeça. Ainda naquela noite Enrico beberia além de sua conta, não se sabe direito os motivos que levaram o jovem a passar da conta, talvez fosse normal naquelas festas principalmente entre os jovens, mais tarde ele diria que a culpa teria sido do seu irmão que o incentivara, quem sabe a mea-culpa fosse o mais correto. Enfim, no outro dia haveria um escanda-lo na residência do senhor Francesco, uma vez que, seriam encontrados dormindo juntos Enrico e Antonela.

Diante de tudo não sobrou muito o que ser feito, Enrico havia desonrado a moça e agora caberia assumir as consequências, sendo essa o casamento. Os dois, Enrico e Antonela, casaram-se pouco tempo depois. O Sr. Francesco foi generoso com os dois, já que considerava a moça como uma filha, acabou cedendo para Enrico a serraria pequena e ajudou os dois a construírem uma casa perto dela. Enquanto a serraria maior acabou ficando com Dominico que algum tempo depois acabou por desposar a linda Geovana.

Alguns anos se passaram e o senhor Francesco já havia partido dessa para melhor, a amizade entre os dois irmãos já não existia mais agora apenas o ódio e o rancor. A situação dos dois estava tão precária que nem missa junto os dois conseguiam assistir, bastava entrar um para o outro sair, quem mais demonstrava ressentimento era Enrico que se achava injustiçado e dizia para quem quisesse ouvir que seu irmão havia lhe roubado a mulher que amava, até mesmo na frente de sua esposa, o que gerava descontentamento na pobre moça que tudo fazia para agradar seu marido. As coisas pareciam que iriam se acalmar quando Geovana adoeceu e Antonela passou a cuidar dela, a doença quase a levara, mas passado dois meses a jovem se recuperou e depois de recuperada as brigas entre os irmãos apenas aumentaram, para piorar pouco tempo depois chegava a notícia que a estrada de ferro estava chegando a Ponta Grossa e que a mesma passaria as margens da pequena serraria, parecia que finalmente a sorte tinha sorrido para Enrico e junto dessa chegara também o da gravides de sua esposa. O amigo leitor deve estar lembrado de Geraldino, sim, o italiano que recebeu os dois irmão logo que chegaram nas novas terras, bem, acontece que esse tinha, como de costume na época, uma enxurrada de filhos, aquela costumeira escadinha, dos sete filhos apenas três vingaram, dentre eles Sandro, tratava-se de um jovem rude e metido a valente, rapidamente depois da morte do pai foi aumentando as suas terras na base da jogatina, carta a carta, assim a cada carteado aumentava os seus alqueires de terra. E agora tinha como seu melhor amigo Dominico, assim como parceiro de negócios, uma vez que, um tinha terras cobertas de araucárias, enquanto o outro a serraria para cortar e tratar a madeira. Logo, os dois amigos ficaram de olho na serraria de Enrico, afinal,  poderiam colocar a serraria junto a ferrovia, uma oportunidade que não poderia ser perdida. Dominico sabendo que seu irmão não venderia a sua serraria para ele, elegeu Sandro como seu testa de ferro e lá foi esse tentar fazer negócio com Enrico que estava destinado a não aceitar de jeito nenhum aquele negócio. Depois de brigas e mais brigas veio a tragédia, o assassinato, Enrico morreu quando voltava de uma vendinha que costumava tomar uns tragos, em casa chegou apenas o seu cavalo, vindo Antonela a encontrar seu corpo caído no meio do caminho. Depois disso Antonela vendeu suas terras para Dominico e foi embora ainda com o seu filho na barriga. 

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