Realidade

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De volta à escola hoje.
Está chovendo. As nuvens cinzentas combinam com os armários de metal que se enfileiram nos corredores. Pessoas que de certa forma eu conheço se aproximam de mim. Duas meninas da aula de história avançada da última primavera param e conversam comigo. Não se conformam com a minha aparência. Levantei cedo e me deixei bonita.
Não perdi tempo alisando o cabelo — não com essa chuva —, mas fiz o rosto quase tão bem quanto a mãe da Manu, coloquei aquela blusa colante que vestir para encontrar Henry e meu jeans de marca justinho e estilizado. Por que não mostrar ao mundo o que me tornei?

Sem dúvida, a escola será melhor este ano. Enzo não está aqui.

Todos os seus parasitas também se foram. Ainda assim, estou nervosa.
Henry disse que voltaria a ligar. Ele volta na sexta. De novo.

Pensei que ele estaria em casa antes do início das aulas, mas ele me lembrou, um pouco antes de perder o sinal, que não estudaria este ano. Comecei minha argumentação de sempre sobre o assunto, e o telefone ficou mudo. Provavelmente ele desligou. Não gosta dessa discussão. Sabe que tenho razão. Quando tenta explicar, sempre emperra naquele ponto que não quer ultrapassar. Eu sei. Ele sabe. Isso me deixa irritada. Não quero ser uma namorada chata que viver pegando no pé dele, então mordo a língua e me lembro de quando o abracei e embalei como se ele fosse um garotinho.

Não quero que essas coisas atinjam a gente. Ainda posso ouvir a dor em sua voz. Quero algo puro, imaculado. Seja isso para mim, Vitoria, por favor.

E, então, sinto arrepios por imaginar o que está por trás das mentiras. Ele quer ser outra pessoa comigo. Se forem drogas, é um bom sinal. Ele pode estar em uma clínica de tratamento cheia de árvores para desintoxicar. Talvez me conte na sexta-feira. Estará limpo, curado e poderemos ser felizes juntos. Todos os dias. Todo o tempo. Sem pausas. Sem ficar longe como agora.

Meu Deus. Que saudade.

Ana não facilitou minha espera.

Consegui de volta meu trabalho de verão na biblioteca. Até me deixaram ajudar no programa infantil este ano. As crianças não têm mais medo. Gostam de mim. Eu fazia uma sessão de histórias, e elas engatinhavam em volta e em cima de mim. As mães ficavam só olhando, porque os filhos estavam puxando o cabelo de outra pessoa por uns minutos. Eu adorei. Cada segundo.
Fiquei com raiva dessas mães. Por não darem valor ao que têm. Por terem o que nunca poderei ter.

Minha mãe me fez ir ao geneticista. Ele falou sobre as opções de esterilização, a pílula, e me deu um estojo discreto de plástico cheio de preservativos. Também mapeou minhas probabilidades genéticas.
Amassei o papel e joguei dentro da bolsa com as camisinhas.

— E se eu arriscasse?

Minha pergunta deixou-o consternado.

— Você é jovem demais para correr riscos.

— Mas um dia — olhei para o piso de cerâmica que cintilava.

— Acho que quero um bebê.

— Adotar é a melhor opção.

Mas quero um bebê com o cabelo e os olhos do Henry. A voz do Henry. Dá para adotar isso?

Como se não bastasse essa agradável consulta, Ana começou a passar na biblioteca; diariamente. Uma ou duas vezes por dia. Achei que estaria estranha e chateada. No começo estava um pouco, mas depois voltou a ser a boa e velha Ana, minha amiga, embora um pouco diferente. Acho que ela cresceu mais uns cinco centímetros antes do fim do verão. É isso que chamo de crescimento atrasado. Mas seu mal humor parecia ter piorado. Topei ir à praia com ela. Não tocou no nome do Henrique e nem de Onur. Eu achei isso bem estranho.

A Bela e a FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora