A semana depois do Natal é um desastre.
A bactéria nefasta dos pulmões do Henrique resolve lutar contra o tratamento. Por alguma razão que ninguém pode explicar, o antibiótico que estavam dando para ele não consegue mais contê-la. Seus pulmões enchem e sua temperatura sobe muito. Ele engasga e tosse o tempo todo. Já estive ao lado dele durante a terapia tantas vezes que me acostumei a vê-lo tossindo o muco. Mas agora é muito pior. Sangue. Muito. Daria para encher vários copos.
Quase o perdem duas vezes.
Não estou lá em nenhuma dessas ocasiões. Sua mãe está ao seu lado, em tempo integral. Eu durmo no sofá na antessala de visitantes, no final do corredor. Fico com medo só de pensar em pegar a estrada para casa.Ele está encolhendo. Por mais que injetem a fórmula nele, seu peso continua caindo. Um pedacinho dele vai embora todos os dias.
Finalmente começam a ministrar um medicamento experimental de uma pesquisa médica europeia. A mãe dele teve que mover céus e terra para conseguir. No início não há mudança alguma. As aulas começam, mas não volto para a escola. A febre dele abaixa.
— Vitoria? — é um sussurro tênue.Corro até sua cama e seguro sua mão esquelética.
— Oi.
— Estou fazendo isso por você.
Beijo-o delicadamente e saio para que a mãe dele se aproxime. Fico no banheiro até conseguir me acalmar. Jogo água fria no rosto e vou sentar ao lado da cama.Seguro sua mão a noite inteira.
Na manhã seguinte, minha mãe vem me pegar. A mãe do Henry ligou para ela. Durmo durante todo o trajeto para casa, caio na cama e durmo o resto do dia. Arrasto-me para a escola depois da aula para pegar os livros e conversar com os professores.— Quando você voltará? — meu orientador quer saber.
— Depois que ele... — faço uma pausa e aperto os dentes. — Depois do transplante.
Vai acontecer. Tem que acontecer. A mãe do Henrique fará acontecer.
Estou mantendo-o vivo, por mais doloroso que seja. Estou mantendo-o vivo.
Minha mãe não me deixa voltar para o hospital. A mãe dele nos passou um relatório completo por telefone. Eu desabo em minha cama, acordo com um resfriado, e eles não me deixam chegar perto dele.
Duas longas semanas.
E não me deixam chegar perto dele.
Nem estou tão doente depois dos primeiros dois dias. Vou à escola, ligo para a mãe dele no hospital cem vezes por dia. Ele parece estar melhorando. Sua mãe o deixa falar comigo no celular. Dizemos apenas “Oi” e ele começa a tossir.Compenso os trabalhos que perdi e adianto outros.
Reparo que Ana está com outra garota. Ela é boa demais para ela. “Vulgar” seria um eufemismo para descrevê-la.
Ela me chama na saída da aula de inglês. Estamos fazendo essa matéria juntos neste semestre.
— Vitoria.
Paro e viro para o lado dele. Ergo uma sobrancelha — não dá para evitar.
— Soube que ele está no hospital.
Faço que sim.
— Sinto muito.
Abaixo a cabeça e vou embora.
Quando finalmente consigo voltar para o hospital, a mãe do Henrique está totalmente esgotada e me deixa cuidando dele. Ele está com uma aparência muito melhor do que na última vez que o vi. Assim que ficamos sozinhos, ele me puxa para a cama.
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A Bela e a Fera
Fiksi PenggemarEu sempre fui a "Fera" era assim que todos me chamavam na escola devido a minha altura desengonçada, as minhas marcas de espinhas no rosto e meus oculos grossos. Minha melhor amiga Ana, uma nerd de cabelos negros e olhar arrebatador. Mas um dia as...