Verdades

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Não estou mais zangada o terror voltou.

—Você pode voltar para a cadeira e esperar um pouco? — a única coisa que ouço em sua voz é uma exaustão total.

— Preciso terminar isso — ele recoloca a máscara, deita no travesseiro e respira dentro dela, com dificuldade e um ronco no peito.

Levo a cadeira para perto da cama e seguro sua mão. Ele a tira para poder me dar os lenços que estão na mesinha de cabeceira. Uso um da caixa enxugando meu rosto, que está pingando. Depois me abaixo, descanso o rosto na palma da mão dele, que está virada para cima.
Depois de alguns instantes ele começa a falar.

— Alguma vez você se perguntou por que minha pele tinha um gosto tão salgado?

– Não — beijo sua mão e passo a língua nos lábios. Eu simplesmente gosto — não passei a boca na Ana. Henrique é o único garoto que já provei.

— Fui um bebê muito doente. Sempre tinha um resfriado ou uma pneumonia. Gritava o tempo todo e não queria comer. Depois comia, comia, comia até começar a berrar de novo.

— Coitadinho.

— Coitada da minha mãe. Meu pai trabalhava à noite, já naquela época. Ela não conseguia me fazer ficar quieto para que ele pudesse dormir. E eu gritava a noite inteira também.

— O que havia de errado?

— Ninguém sabia. O médico disse que ela não estava produzindo suficiente. Receitou uma fórmula que substitui o leite materno.

Meu olhar desvia para a bolsa pendurada no segundo suporte. É isso que parece o líquido dentro dela, uma fórmula para bebês.

Henrique se descobre até a cintura e puxa a camisola hospitalar. O tubo está ligado a um disco plástico colocado em seu estômago.

— Agora você sabe por que eu sempre usava blusas de moletom folgadas, recuava quando você chegava muito perto, explodia quando você tentava tirar minha camisa — ele nota meus olhos seguindo o tubo até a bolsa pendurada no suporte. — É um tubo de alimentação.

Quem tem esse problema precisa de muito mais calorias que as pessoas normais.

— Mas você come. Eu já vi.

— Não o suficiente. Eu era um bebê esquelético quando o médico finalmente me internou no hospital. Um outro médico desconfiou e testou meu suor — fez um gesto de confirmação com a cabeça. — Tenho FC. É por isso que minha pele tem um gosto tão salgado.

Levanto a cabeça. Meu rosto mostra que estou confusa.

— Mas você não usa cadeira de rodas. E não acredito que seu cérebro tenha algum problema.

— Não, você está pensando em paralisia cerebral (PC). A fibrose cística (FC), faz com que todo o muco do corpo seja extremamente grosso e viscoso. É por isso que tusso tanto.

— Pode ser uma alergia, ou asma.

— Não, Vitória. É FC. Ela bloqueia meu pâncreas e prejudica o fígado também. Tenho que tomar um monte de enzimas para poder digerir qualquer coisa. Eu era um moleque de nariz sujo que não queria comer, então minha mãe me colocou no tubo — olha de relance para o suporte e a bolsa. — Faço sessões de alimentação noturnas em casa desde criança para manter o peso e o crescimento normais.

– Então por que tem que ficar no hospital agora?

Ele fecha os olhos por um minuto para tomar coragem e os abre novamente.

— Tenho uma colônia de bactérias raras crescendo nos pulmões.

— Por que eles não dão antibióticos?

A Bela e a FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora