26ª Carta

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4 de novembro

Essa semana está sendo muito difícil, o clima entre mim e Beatriz não vai bem, pouco nos falamos na sala de aula ou em qualquer outro lugar. A vida não era tão complicada assim quando eu era criança. Com a chegada da adolescência as coisas mudam: existem poucas certezas e muitas dúvidas diante de tantos acontecimentos nessa fase da vida.

Eu ainda continuava triste com que havia acontecido, então resolvi desabafar com Bianca.

— Pedi Beatriz em namoro.

— Pela tristeza em seu rosto, ela não aceitou, não foi?

— No começo, parecia estar indo tudo bem, mas, depois do beijo, ela saiu de forma repentina, sem nenhuma explicação.

— Ah! Então rolou um beijo.

— Sim.

— Nossa, o beijo foi tão ruim assim?

— Você é muita engraçadinha.

— Foi mal, não consegui segurar. Mas o que aconteceu para ela agir dessa forma?

— Era o que eu também queria entender. Já pensei em várias hipóteses.

— Sei, então só te resta uma coisa a fazer.

— E o que seria?

— O óbvio! Falar com ela.

— Sim, e o que eu diria?

— Ora! Pergunta o que aconteceu para ela ter agido assim com você.

— Você acha que devo fazer isso?

— Bem, certeza eu não tenho. Sou, apenas, uma garota de catorze anos cheia de dúvidas, que está tendo um relacionamento com outra garota. Mas não vejo muita opção para você. É isso, ou vai continuar com essa dúvida na cabeça.

— Você acha que eu deveria enviar uma mensagem?

— Acho que não seria legal.

— E que tal uma ligação?

— Também não. Tudo isso é muito artificial, você sabe disso.

— É, você tem razão. Vou agora pessoalmente conversar com ela, e vai ser agora!

— Agora? Mas você não acha que está um pouco tarde? Já são quase dez horas.

— Se eu não fizer isso agora, vou passar o resto da noite com essa dúvida.

— Então vai. Te desejo sorte.

— Valeu, e obrigado pela conversa.

Como os meus pais tinham saído, tive que ir de bicicleta. Já fazia alguns anos que eu não pedalava. Infelizmente sou uma pessoa sedentária, mas nem sempre foi assim. Quando eu era criança, até gostava de praticar algumas atividades físicas, como jogar bola, brincar no parque e, claro, andar de bicicleta. Mas fui crescendo e comecei a deixar tudo isso de lado.

Logo cheguei à casa de Beatriz. Eu me sentia um tanto cansado. Mentira, na verdade, eu estava exausto, quase sem fôlego, e sem saber ao certo o que falaria para Beatriz. Ao bater na porta, quem atendeu foi a tia dela, que logo me convidou para entrar. Enquanto a esperava, comecei a observar algumas fotos da família que estavam na estante. Minutos depois, Beatriz apareceu e começamos a conversar:

— Oi! Me desculpe, eu sei que já está um pouco tarde, mas precisava muito falar com você sobre o que aconteceu na cafeteria.

— Não precisa pedir desculpas. Sei que te devo uma explicação, só não sei como começar.

— Foi alguma coisa que te disseram sobre mim, não foi?

— Como assim?

— Pode falar, Beatriz, não precisa me esconder.

— Do que está falando?

— Te disseram que eu faço terapia, não foi?

— Eu não sabia disso, até você me falar agora. E não vejo nenhum problema nisso, também já fiz terapia.

Naquele exato instante, fiquei surpreso. Jamais passaria pela minha cabeça que ela também já havia feito terapia. Percebi ali que, como eu, Beatriz também carregava alguma cicatriz em seu coração. Então ela disse para sentarmos e começou a dizer:

— Pode não parecer, mas eu gosto de você.

— Sei, então por que não podemos namorar? Você acha que não daria certo?

— Não é isso, você é uma cara legal. Sabe, eu não vim morar aqui por acaso, existe um motivo.

— Mas o que isso tem a ver com o a gente?

— É difícil explicar, Daniel. Deixei os meus pais em Teresina e vim morar aqui com a minha tia por um motivo que não consigo te falar e que ainda me faz muito mal lembrar.

— Eu posso te ajudar?

— Não pode. É algo que tenho que superar sozinha. Sinto muito, mas vamos ser apenas amigos.

— Amigos?

— Sim, Daniel, não quero criar nenhuma expectativa entre nós, muito menos te machucar.

E assim a conversar terminou. Peguei a minha bicicleta e voltei para casa com o coração ainda mais partido. Não foi a primeira vez que sofri uma desilusão amorosa. Então por que continuava me machucando toda vez que isso acontecia? Será que era um aprendizado da vida ou uma visão exagerada do sofrimento adolescente? Dizem que criamos expectativas demais e que cada dor que sentimos faz parecer que o mundo vai desmoronar. Mas, entenda, somos assim, faz parte de nós. Você sabe do que eu estou falando!

Atenciosamente, Daniel.

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