Capítulo 10

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O silêncio tinha camadas.

Foi o estranho pensamento que pulou na cabeça da Bia enquanto ela devia estar prestando atenção na lista de compras que ela e a Berê revisavam para a ceia de Natal.

No início, ela tinha colocado a culpa daquela inquietação, parecendo um espinho no assento da sua cadeira, nas emoções da manhã e na tatuagem, que depois que o Lourenço tinha parado de esconder, ela não conseguia mais parar de olhar.

Mas não era aquilo.

Era o silêncio.

Não que a casa estivesse silenciosa. Tinha as vozes dela e da Berê discutindo cardápios e ingredientes na cozinha. Tinha também o Lourenço e a Mariana usando a mesa da sala como escritório e, cada um com seu notebook aberto, trocando ideias sobre fornecedores e pagamentos, e como substituir o gerente que tinha resolvido pedir as contas na época mais movimentada do ano.

O problema era a camada de silêncio que deveria estar sendo quebrada pelas risadinhas e implicâncias e discussões das meninas.

O soninho de depois do almoço ainda fazia parte da rotina da Amanda, mas, naquela tarde, o cansaço da praia tinha derrubado a Alícia também e, com as duas dormindo, parecia que faltava alguma coisa, que a casa estava vazia e silenciosa, mesmo que não estivesse.

Era só uma camada de sons calados, mas caía pesada sobre a Bia e a envolvia e a sufocava, porque aquela seria a sua vida se a história seguisse o script do Diego. Como ela sobreviveria ao silêncio da ausência delas? Ela acabaria enlouquecendo, tentando imaginar o tempo todo o que elas estavam fazendo, se elas estavam bem ou quase morrendo com a mesma saudade que ela sentiria.

E seria pior quando o Diego viajasse e elas ficassem com a Vivi. A prima teria o tempo todo do mundo para ir plantando sementinhas de discórdia nas cabecinhas férteis das meninas, sem contar que seria responsabilidade dela escolher o que elas iam comer, quanto tempo de televisão elas podiam assistir ou a que horas mandá-las para a cama. Decisões que eram da Bia, como mãe, e que corriam o risco de serem retiradas das suas mãos por causa de um único e estúpido erro!

— E o que eu faço pro doutor Fred? — a Berê perguntou, arrancando a Bia da sua espiral de angústia.

— Qual a sua sugestão? — Ela se obrigou a se focar na mulher à sua frente e a voltar para o momento. Sofrer por antecipação não levava a lugar nenhum, ela puxou a própria orelha.

— Eu pensei naquela quiche de queijo com alho-poró que ele gosta? E um estrogonofe de grão-de-bico?

— Boa ideia, mas faz a receita dobrada que é pra ele não reclamar que os carnívoros estão comendo a comida dele toda enquanto ele não pode comer a comida dos carnívoros.

A Berê deu uma risadinha, testemunha do chororô do Fred por causa de comida mais vezes que seria apropriado para um homem de trinta e dois anos.

O som alto do interfone ecoou por uma camada de silêncio que raramente era quebrada nos últimos tempos.

— Quem será? — a Bia perguntou junto com o 'deixa que eu atendo' da Berê.

Houve uma época em que o telefone e o interfone da sua casa competiam para ver qual tocava mais, mas aquilo tinha mudado drasticamente depois da sua separação. Ela passou a ser uma pessoa desinteressante e desimportante no momento em que deixou de ser casada com um ator famoso.

Não era uma reclamação.

Os curiosos, repórteres e a quantidade enorme de falsos amigos que gravitavam em volta do Diego por puro interesse próprio, não faziam a menor falta. O que significava que não havia muita gente íntima o suficiente para aparecer na sua casa sem convite ou sem avisar. A Bia pegou o celular para checar se não tinha perdido alguma mensagem importante, mas encontrou a tela escura e sem vida.

Bem Te Quero [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora