Capítulo 2 - Perguntas sem respostas - E.M

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O quarto parece grande de mais,o silencio da casa é assustador, cubro todo meu corpo com o cobertor grosso, imaginando que de alguma forma ele me protegerá, a casa é vazia e me sinto como se estivesse em um filme de terror, o ranger do chão de madeira é aterrorizante e por vezes eu fecho meus olhos e grito para meu medo – Essa é sua casa, não tem porque ter medo – Mas por anos estive longe e agora me sinto como uma estranha, poucas memórias e recordações. Abro meus olhos lembrando a idade que eu tenho, eu sou uma mulher e não posso me esconder debaixo de cobertores como uma garotinha, me levanto tomada pela coragem e decido ir até a cozinha beber um copo de água, eu preciso de uma desculpa para vencer meu medo, suspiro e em um movimento rápido eu pulo da cama, em passos largos e apressados eu desço as escadas, o barulho é incomodo, mas não me importo, ninguém acordará com meus barulhos. Saio ascendo cada lâmpada que encontro, a casa parece menos assustadora assim.

Abro a geladeira me servindo um grande copo de água, levarei para o quarto, caso acorde com sede e minha coragem já tenha me deixando. Em goles lentos eu saboreio a deliciosa e refrescante água que desce por minha garganta, o relógio na parede ainda marca 21:30, a fazenda é silenciosa assim como a casa, tinha me esquecido de como o pessoal do interior costuma dormir cedo, neste momento se estivesse no internato, eu estaria com as outras meninas conversando e desejando o momento que seriamos livres, e aqui estou eu, fora daquela prisão que meu pai me mandou, vivendo livre. Suspiro lembrando de meu Pai e desejando que ele estivesse aqui, a lembrança de seu rosto é tão distante, lembro-me de sua grande barba e o cheiro de seu charuto, caminho de volta para sala olhando mais uma vez em volta em busca de alguma lembrança feliz, por segundos fecho meus olhos eu posso vê-lo através da pequena fresta da porta de seu escritório, seu olhar firme em minha direção ao perceber que estava espiando, ele se levanta de sua cadeira de couro marrom e caminha em direção a porta, sua voz grossa e cheia de autoridade soa em minhas lembranças.

- Vá brincar com suas bonecas Emile.

Ele diz e logo ouço barulho da porta batendo me assustando, meus olhos se abrem novamente e estou de volta a sala vazia, encaro sobre a lareira o grande quadro pintado de minha mãe, como eu desejaria conhecê-la, ela era tão linda, nós seriamos uma família se ela ainda estivesse viva, se eu não a tivesse matado quando nasci, talvez meu pai não me olhasse com tanto desgosto e ódio, eu lhe tirei sua esposa, mas eu desejaria trocar de lugar com ela, mas acima de tudo eu desejaria ter uma mãe e um pai, só me resta um pai que se quer me recebeu quando cheguei depois de anos.

Apago as luzes e me sento no sofá e me pergunto, como é viver com um pai em casa? A sensação de acordar com sua voz bebendo café, ouvir seu bom-dia, um pai entrando no quarto secretamente, para ver se finalmente dormi,  que confere a extensão das cobertas e se as janelas estão fechadas. Como é ter um pai que me acompanha na consulta ao médico, que como os outros se preocupada em assinar o boletim e me da os parabéns pelas boas notas ou broncas pelas vermelhas, eu não tenho ideia de como é ter um pai perseguindo baratas, e me que ensine a dobradura de papel de chapéu e barcos.  Como é ter um pai angustiado com minha demora e esconde sua preocupação, eu tenho tantas perguntas de como é uma pai, tantas coisas eu gostaria de saber... Como é andar de bicicleta com um pai? Observar atrás se ele me segue? Um pai que estará no seu escritório, num lugar certo ao meu alcance na hora que sentir medo? Como é ter um pai me esperando ansioso de saudades depois de uma longa viagem? Que se preocupa... Como é ter um pai a me orientar - de um modo patético - sobre o quão normal é sangrar todos os meses? Como é ter um pai beijando a mãe, sussurrando qualquer coisa que a faça rir, e eu me escondendo para que não me vejam? Como é ter um pai preocupado em fotografar a família nas férias? Como é suportar um pai cantando desafinado suas músicas antigas? Como é ter um pai vibrando com minha aprovação no vestibular, pregando faixas na frente da casa? Como é ter um pai para procurá-lo nas centenas de poltronas da formatura? Como é ter um pai que explica que “as coisas eram diferentes no seu tempo”? Como é ser espetado no rosto pela barba do pai? Faz coceira, arranha? Sempre quis saber…

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