Capítulo 5
As luzes de natal presas ao teto piscavam, coloridas, alucinantes. Eram três e meia da madrugada. As luzes lá fora estavam apagadas, fazia frio até mesmo com a janela fechada. Ou talvez fosse outra coisa. Como a falta do calor do corpo dele. O silêncio reinava absoluto. A não ser pela respiração descompassada de Taehyung. Pesadelos são como pimentas escondidas naquele doce maravilhoso que você esperou eras para experimentar. São inesperados, confusos e apavorantes. Pesadelos são como Jeon Jeongguk. Ou Jeon Jeongguk era como um pesadelo. Um mistério que entra pela porta do seu quarto e o impregna com cheiro de cigarro e o maldito perfume amadeirado.
O garoto batucava os dedos na cabeceira da cama, esperando ouvir um som que o reconfortasse. O Ipod estava longe demais e ele não queria levantar dali. Sair debaixo das cobertas macias e seguras poderia enlouquecê-lo. Em toda sua conturbada vida, nunca precisou de tratamento psicológico mas estava pensando seriamente em pedir uma consulta para Sunhee.
Algumas horas atrás e ele o deixava na esquina de sua casa. Os olhos escuros brilhavam de satisfação ao ver o rosto emburrado do garoto. Como se aquilo o divertisse. Como se ele fosse seu palhacinho particular, seu bobo da corte. E talvez realmente fosse. Por que no momento em que Jeongguk segurou sua mão e depositou um beijo leve como uma nuvem sobre seus dedos, um par de olhos castanhos brilhou de surpresa e uma risada alta saiu dos lábios terrivelmente atraentes dele. Jeongguk havia desenvolvido um apreço por confundi-lo, irritá-lo. Um apreço maligno por deixá-lo arrepiado. Tudo isso na velocidade da luz.
Por que o filho do pastor era rápido. Era uma bala de revolver, um relâmpago, um piscar de olhos. Taehyung não ficaria surpreso se ele lhe dissesse que era viciado em cafeína ou energético. Pelo contrário, o garoto deveria aprender a não se surpreender com nada que viesse dele. Nem mesmo com aquele sorriso malicioso e os olhos queimando ao sussurrar para ele:
- Amanhã é sua vez. Você sabe onde eu moro. Chegue cedo e terá satisfação garantida. Chegue tarde e eu vou te amarrar no pé da minha cama por toda a madrugada – e deu partida novamente na moto, o deixando ali abraçado na jaqueta que ele não quis de volta. Jaqueta aquela que Tae continuava usando quando dormiu. O cheiro dele nunca esteve tão forte em suas narinas. O que o trazia de volta para seu pesadelo.
Naquele mundo distinto de sonhos, Taehyung usava roupas brancas, cabelos ao vento, um crucifixo pendurado em uma linda corrente dourada balançava alegremente em seu pescoço. Estava parado olhando para o alto no ponto mais extremo de um precipício cuja queda era diretamente no mar. Era uma dia nublado, cinza, carregado. Era um dia como ele. Taehyung era um dia de chuva, instável, inquieto, pronto para desabar. Mas naquele momento ele parecia um dia de sol. Calmo, tranquilo, radiante. Os poucos pássaros que se atreviam a cortar os céus atraiam sua atenção, assim como a grama muito verde e um imenso salgueiro muito próximo. E então ele chegou. Estonteante mesmo em seus trajes de filho prodígio do pastor, mas ainda assim carregando um cigarro aceso preso aos lábios. Lábios que sorriam para ele a cada novo passo largo em sua direção, as mãos nos bolsos da calça caqui, o cabelo bagunçado como naquela noite.
E Taehyung deixou envolver-se. Quando ele estava próximo o suficiente, deixou que passasse os braços pela sua cintura, que colocasse aqueles malditos olhos escuros em contato com os castanhos que pareciam tão delicados, tão infantis naquele momento. Deixou que acariciasse seu rosto enquanto dava uma tragada em seu cigarro. Era tudo tão natural para ele. Os pássaros negros que antes dançavam silenciosamente por aquele céu tão sem cor agora os observavam, empoleirados no salgueiro. Jogando o toco do cigarro fora, Jeongguk passou os dedos pelas pálpebras do garoto, num pedido silencioso para que ele as fechasse. Naquele pesadelo Tae confiava nele, que ironia, até mesmo de olhos fechados. E assim ele o fez. Sentiu a palma da mão dele sob seu coração. Sorriu. E então veio a dor.
Como num show de ilusionismo ou um efeito especial de Hollywood, a mão de Jeongguk atravessou o peito de Taehyung. Ele sentia o aperto firme dele fechando-se em volta do seu pequeno coração. Abriu os olhos, desesperado. Ele sorria tranquilamente para o garoto na mesma proporção que puxava seu coração para fora. Lentamente, até que ele fosse visível para os dois. A camisa branca era agora alvo tingido pelo vermelho do sangue que escorria do buraco aberto em sua pele. E ele chorava lágrimas silenciosas. E Jeongguk continuava parado, sorrindo, analisando o tesouro que possuía em suas mãos.
Numa mudança do vento, os poucos pássaros que estavam no salgueiro haviam se multiplicado, e agora os rodeavam. Um circulo negro em volta de Taehyung e Jeongguk, um circulo que se movia rapidamente, como um tornado. E o garoto percebeu indo para trás, caindo no infinito sem fim em direção ao mar. E ele continuava lá, parado, magnífico, com o coração dele em uma das mãos. Mas não por muito tempo. Logo ele também caia, na mesma altura que Taehyung, os dois deitados sobre o ar. Os pássaros negros ainda os cercavam, batendo suas asas. Então ele lhe estendeu a mão livre, suja de sangue, um toque de piedade em seus olhos. Mesmo sem seu coração, ele a aceitou. Assim os dois fecharam os olhos, esperando a morte certa, o fim, juntos.
Antes de cair no mar, ele despertou. O coração ainda batia em seu lugar, disparado. As mãos suavam, a respiração era falha. Agora, analisando novamente todo o seu sonho, ele compreendeu. Só havia uma explicação plausível. Jeongguk destroçaria seu coração. Continuar perto dele era a destruição certa, o fim previsto. Jeongguk seria seu pecado e sua perdição. Assim como ele seria o pecado e a perdição dele. Um levava ao outro, nenhum poderia escapar. Olhando mais uma vez no despertador no criado mudo, Tae suspirou. Ainda teria tempo o suficiente para pensar em como se livrar daquele destino cruel antes que o sol voltasse a iluminar aquele lugar.
*Can you feel my heart, é uma musica incrível de Bring Me The Horizon "Você consegue sentir meu coração?",no sentido da música.