Capítulo 3
As ruas eram assustadoramente escuras. Não havia sequer uma alma se arriscando a andar por ali, somente gatos de rua e corujas com seus grandes olhos dourados observavam Taehyung caminhar desajeitadamente pela calçada. Os coturnos de couro preto faziam barulho ao baterem pedras soltas pelo caminho. As mangas da blusa branca estampada com caveiras balançavam levemente por causa do vento noturno. O filho-da-puta do Jeon tinha razão quanto ao frio, o que não o fez mudar de idéia e levar um casaco.
A igreja era uma construção em estilo medieval. À noite, as paredes feitas de pedra e a alta torre pareciam o cenário ideal para um filme de terror. A pequena cerca de ferro ao seu redor também não ajudava a melhorar o ambiente. Parado na calçada, o garoto conseguia enxergar a casa grande, branca e iluminada dos Jeon. Parecia que o meio religioso não sofria tanto de falta de verbas como parecia.
Taehyung já estava ficando nervoso, batendo o pé nervosamente no pedaço de grade a sua frente. O frio parecia invadir sua alma, e ele estava louco para sair dali de vez. Lugares como aquele o lembravam de sua infância como órfão, abandonado pelas ruas e temendo o mundo inteiro. Algo muito divertido de se lembrar num momento tão perturbador como aquele. O medo voltava para ele como um amigo conhecido, pedindo abrigo em suas entranhas. Ele devia lembrar-se de bater a porta na cara dele. Uma mão gelada em sua cintura, cheiro forte de cigarro impregnando o ar. Era agora, Taehyung estava morto; não fosse pelo riso baixo em seu ouvido, o toque que começava a apertá-lo, reconfortante, e um segundo cheiro no ar: um maldito perfume amadeirado que havia ficado grudado em seus lençóis na tarde daquele mesmo dia.
- Buuu – Jeon sussurrou em seu ouvido, jogando uma grande jaqueta de couro sobre os ombros tensos do garoto – eu lhe disse para trazer o casaco, não disse?
- E você sabia que eu não o faria por que...?
- Pressentimento. Nunca falha – Jeongguk sorriu irônico, o puxando pelo cinto preto que prendia seu jeans exageradamente colado – Vamos. Temos uma longa noite pela frente
- Posso saber aonde você vai me levar? – ele se deixou levar, emburrado, porém ardendo de curiosidade.
- Vamos tomar uma cerveja no Saenghwal – o filho do pastor assobiou, largando-o em frente a um banco de praça, a alguns metros da igreja, antes de sumirem meio a um pequeno grupo de árvores.
- Você sabe que isso fica há uns 15 quilômetros daqui, não sabe? Como pretende chegar lá, caminhando?
- Achei que havia comentado com você que tinha uma moto – ele voltou, trazendo consigo uma Harley-Davidson vermelha e um tanto gasta.
- Que tipo de livros você ia comprar com o dinheiro que usou pra comprar a moto? Eles eram feitos de ouro, ou eram Bíblias do século XV escritas em aramaico, ou algo do tipo?
- Eu falei só em livros? Acho que esqueci de falar do dizimo. De qualquer jeito, ela não era totalmente nova quando comprei. Mas é linda, não?
- Divina. – Tae bufou.
- Vamos logo, garoto. A noite está chamando por nós, você não pode ouvir? – ele riu, jogando um capacete preto pra Taehyung.
- Estou ouvindo o chamado da morte desde que te conheci, isso sim. Você realmente acha que vou subir nesse troço com você pilotando? – o garoto esquivou-se, dando dois passos para trás.
Jeongguk massageou as têmporas por um instante, olhando para ele em seguida. Desencostou-se da moto, e deu alguns passos para a frente, as mãos nos bolsos da calça jeans surrada. Pela primeira vez na noite Taehyung reparou que ele não vestia as roupas "religiosas" a que ele estava acostumado. Ele usava uma jaqueta preta semelhante a que dera para o garoto por cima de uma camiseta branca e justa que destacava o abdômen definido que ele escondia com suas camisas de manga comprida. Nos pés um par de Vans preto, e no rosto um sorriso sacana que deixava Taehyung arrepiado. Não foi preciso mais do que três passos para que ficassem frente a frente, nariz com nariz, respirações misturadas.
- Diga que não quer uma cerveja gelada, música decente e pessoas agradáveis. Diga que não quer ver o mundo fora dessa cidade de merda. Diga que não quer sentir o vento no rosto, sentir a liberdade, a adrenalina. Diga que não quer seu corpo junto do meu.
Taehyung mordeu o lábio inferior, abaixando a cabeça para não encarar aqueles malditos olhos escuros que conseguiriam fazê-lo pular de um precipício. Odiava o modo como ele o fazia sentir-se. Rejeitava o desejo que começava a crescerem seu intimo. As palavras dele o atingiam como lâminas afiadas, por que eram verdades audaciosas prontas para deixá-lo em dúvida. Jeon riu baixinho, puxando-o energicamente pela mão. Arrumou-lhe o capacete sobre os cabelos castanhos, prendendo-os dentro da jaqueta. Em silêncio, acomodou-se sobre a moto, esperando que o garoto fizesse o mesmo.
E ele fez, abraçando-o levemente pela cintura. Jeongguk virou o pescoço rapidamente para olhá-lo, e, com uma piscadela rápida, deu partida, deixando o coração de Taehyung naquele ponto da estrada. O vento batia no rosto de Taehyung, a velocidade o fazia ter borboletas no estomago. Ele estava grudado ao corpo de Jeongguk de um jeito que seria considerado pornográfico por qualquer senhora recatada de idade, mas ele não ligava. Aquilo era maravilhosamente excitante. Era uma experiência nova, e o maldito tinha razão: ele queria muito aquilo. Quebrar regras de verdade uma vez na vida. A viagem de quinze minutos foi como um relâmpago, um salto de bungee jump. Quando Taehyung se deu conta, estavam parados na frente do pub Saenghwal, ele rindo como um bobo, estático. Jeongguk tirou as mãos do garoto de sua cintura, e num movimento rápido de troca de pernas, ficou sentado de frente para ele, com um sorriso debochado diante dos olhinhos brilhantes de Tae. Pousou as mãos geladas no pescoço do garoto,fazendo com que ele quase pulasse de susto. Rindo, abriu o fecho do capacete, ajudando-o a livrar-se dele.
- Vou te contar um segredo – Jeon fez um sinal para que ele se aproximasse – nós morremos. Prepare-se para entrar no Inferno, meu amor.
- Preciso usar esse casaco, lá? – ele rebateu.
- Você não precisa usar nada lá.
- Pena que você não vai junto, não é? Você deve ter uma vaga comprada no Paraíso.
- Eu posso passar um tempinho aqui embaixo com você – ele piscou – posso comprar isso também.
- Não tem graça se você estiver usando roupas.
- Podemos dar um jeito nisso também. Agora, se você preferir. Aqui.
- Como todo mundo vendo? – ele sorriu, malicioso.
- Você não acha excitante? – Jeongguk se aproximou, passando o longo dedo indicador pelo rosto de Taehyung, descendo lentamente por seu pescoço.
- Eu acho... – ele soprou no rosto dele, vagarosamente – que você tem que me pagar uma cerveja.
E levantou, rindo, vitorioso em direção as piscantes luzes do Saenghwal.
*Have a Drink On Me é o que todo bêbado falido gostaria de ouvir : Bebidas Por Minha Conta, da banda já citada na introdução, AC/DC.