Cap. 1 - High School Tupiniquim - Parte 1: A Escala de Popularidade

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"Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isso é ser uma pessoa?"

(Clarice Lispector - A hora da estrela)


Quando encaminhei o original deste livrinho, por e-mail, para minha editora, ela reclamou da localização da história. Na visão dela — excelentíssima profissional, quero deixar mais que claro aqui — uma história como essa deveria se passar no Rio de Janeiro. Primeiro, por estar associada à obra Dom Casmurro, que é ambientada inteiramente na cidade. Segundo, por questões comerciais.

"O Rio é o cartão postal do país", ela disse. "Vai ser muito mais fácil você ganhar algum reconhecimento lá fora", ressaltou quando ofereci resistência. Enfim, tivemos amplas e inúmeras discussões a respeito, mas — ao contrário do que aconteceu em outras ocasiões — desta vez eu bati o pé.

Nada contra o Rio de Janeiro, cidade animada, que eu adoro, mas esses acontecimentos tiveram outro lugar como cenário. Neste caso, leitor, deixo a você a incumbência de me dizer o quão interessante é (ou não) uma história que se passa em Campinas, no interior de São Paulo.

Mas por respeito à minha editora, vou dar um jeito de enfiar o Cristo Redentor ou qualquer outra paisagem carioca aqui. Seja por flashback, seja por cartão postal.

Chega de enrolação agora! Tudo isso que vou contar aconteceu em 2014. Guarde bem essa data na memória, para depois não me acusar de não tê-lo avisado, hein? Mas então, a festa que Milena daria naquela noite era o assunto em pauta por trás dos muros de granito róseo do Colégio Santa Virgínia, na Rua Machado de Assis (olha só), no elegante bairro campineiro do Taquaral.

Milena ocupava o topo da Escala de Popularidade do colégio. Filha adotiva de uma das famílias que dominavam o mercado imobiliário campineiro. Negra, tinha um corpo esguio de modelo e beleza que empregava certa altivez. Era praticamente a mais rica do Santa Virgínia e, consequentemente, a mais popular.

Por muitos anos Milena tinha sido líder e capitã das Meninas do Vôlei do colégio. Misteriosamente, no começo do primeiro ano, deixou tanto a liderança do grupo quanto o posto de capitã do time. Foi inesperado quando ela desfilou pelos corredores do colégio com os cabelos, na época sempre alisados, raspados e cobertos por um turbante.

Mesmo assim, foi com certa reticência que a patricinha respondeu quando questionada a respeito de ter convidado todas as Meninas do Vôlei, seu antigo grupo, para a festa que daria naquela noite.

— Ué, gente, eu não tenho nada contra elas e nunca tive. — Milena fez questão de esclarecer, na defensiva. — E além disso a festa é minha, né? Eu chamo quem eu quiser.

— Ai, tá bom, Mi, não precisa vir armada pra cima de mim. Eu só perguntei...

Lara Campadelli, minha amiga desde o maternal, era dessas que só comentava ou só perguntava. Quase sempre sem um pingo de filtro ou cuidado nesses comentários ou perguntas despretensiosas. Falava o que pensava, mesmo suas opiniões sendo desagradáveis na maior parte das vezes. Apesar desse traço difícil de personalidade, era confiável e boa conselheira.

Eu era muito mais amigo de Lara do que das outras meninas. No entanto, naquele contexto, eu e ela estávamos brigados e não nos falávamos mais, mesmo na presença um do outro. Isso já vinha durando alguns dias, até que minha ex-amiga me abordou no intervalo de turnos entre o período matutino e vespertino daquele dia.

— Posso falar com você? — Ela perguntou e se sentou ao meu lado.

— Tá falando já.

— Ah, Otávio, até quando você vai ficar assim?

Operação CapituOnde histórias criam vida. Descubra agora