Capítulo 16

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MARATONA - Cap. 4/6

Eu pensava sinceramente de que o pior já tinha passado. Iria à delegacia e lá, diante do Belmiro, provaria a minha inocência. Impossível que ele insistisse naquele absurdo. Seria fácil desmascará-lo.
Mas alguma coisa de sobrenatural parecia tramar contra mim. Quando cheguei na Delegacia de Roubos e Furtos, pensei que seria colocado imediatamente à frente do ladrão. E que em meia hora sairia dali, para a minha vida normal. No fundo, começava a ter a sensação de estar vivendo um pesadelo.
Ao invés de ser levado à presença de Belmiro, os policiais me conduziram a uma sala atapeada, que parecia ser a mais nobre da delegacia. Era o gabinete do delegado. Estava vazio. O policial me informou:

   - O doutor delegado só chega mais tarde. Mas você será atendido pelo secretário dele, o Dr. Jorge...

Bem, havia muito Jorge no mundo. Eu não tinha outra coisa a fazer senão esperar e confiar que a verdade, afinal, se esclarecesse. Mas tudo conspirava contra mim. Uma porta dos fundos do gabinete se abriu e entrou um homem. Era um jovem, muito bem vestido, uma cara vagamente conhecida. Não precisei forçar a memória e lá estava, Jorge Reinhart, o teu primo, meu antigo colega de ginásio, o mesmo que me acusara de ter roubado a tua pulseira, lembra-te?
Ele ficou tão espantado quanto eu. Olhamo-nos demoradamente, olhos nos olhos, em silêncio. Minha posição era desvantajosa, eu estava sob a suspeita de ter cometido um crime. Ele, como sempre, por cima da carne-seca: era o secretário do delegado. Não sabia como Jorge me trataria e minha dignidade me impediu que forçasse uma intimidade. Esperei que ele falasse e desse o tom de nossa conversa.
Jorge ficou em silêncio um bocado de tempo. Depois de me examinar detidamente ( deve ter percebido que eu já não tinha o aspecto miserável dos meus tempos de garoto) dirigiu-se ao policial que me escoltava:

   - Então, esse é o homem?

   - É, sim senhor. Revistamos o quarto dele, as notas do banco estavam lá, aquele ladrão não mentiu, deu o nome e o endereço legais... estava tudo lá...

Jorge fingiu que tirava um cisco imaginário da testa:

   - Bem, deixe esse rapaz aqui, vou conversar com ele.

O policial se retirou e ficamos no gabinete, eu e teu primo.

   - Eu sabia que você ia terminar mal - começou ele.

   - Eu não terminei ainda - respondi. - Tenho muito caminho pela frente. E não estou nada mal. Trabalho numa loja, sou sócio do negócio. E estou no 4° ano de Engenharia. Daqui a pouco serei doutor como você...

Ele teve um rasgo de honestidade:

   - Ainda não me formei. Também estou no 4° ano de Direito mas me arranjaram um bom emprego na polícia. Quando me formar, já tenho um lugar de delegado me esperando.

Foi a primeira vez, em toda a vida, que ele conseguira conversar realmente comigo. Mas logo aquela fraqueza passou. Ele voltou a seu tom habitual. Naquele momento, era uma autoridade. E eu, um réu.

   - Muito bem, Cole, a nossa família nunca conseguiu esquecer o mal que você nos fez...

   - Eu não fiz mal nenhum. Não tenho culpa de...

   - Não falemos sobre isso. Seria idiota imaginar que discutisse aqui na delegacia, com um ladrão de banco, um problema de família...

   - Foi você quem puxou o assunto.

   - Está bem. Esqueça. E de agora em diante não me chame de você. Sou doutor.

   - Você ainda não se formou. Não pode abusar de um título que não lhe foi dado.

Ele titubeou. Mas corrigiu:

   - Me chame de senhor.

   - Está bem. O que o senhor quer saber?

   - Como foi o assalto?

   - Que assalto?

   - Não se faça de bobo. Você e seu cúmplice estão presos. Ele já confessou tudo. O dinheiro que faltava na mala dele foi encontrado no seu colchão, tal como ele nos disse. Como você explica isso?

   - Honestamente, não posso explicar nada. Contei o que sabia. Que vira, pela manhã, Belmiro se retirando da pensão, com a mala nova. Que fora fazer uma prova na Faculdade. Que fora depois para a loja, onde os policiais me detiveram. Que na pensão, o meu quarto havia sido revistado e que lá estavam as notas. E que eu podia explicar o resto que faltava naquela história tão bem quanto explicaria um círculo quadrado.

Para terminar, levantei a única possibilidade que me restava:

   - Gostaria de ser acareado com o Belmiro. Duvido que ele mantenha a acusação diante de mim, olhando nos meus olhos.

Jorge fez uma cara de aborrecimento mas admitiu:

   - Você continua orgulhoso e cheio de si. Contudo, tem razão. Vamos fazer a acareação. Mas não hoje...

   - Por que não hoje?

De repente, senti que ele tinha um plano macabro: poderia me manter preso vários dias, prolongando à vontade o meu tempo de prisão. Afinal, a acareação poderia ser favorável para o meu caso e quanto mais ele adiasse o meu encontro com Belmiro, mais tempo me teria sob suas garras.

   - Isso é assunto nosso. Você será acareado quando eu quiser. Por ora, considere-se preso e trate de não estrilar. Temos celas aqui na delegacia. O conforto é muito relativo mas você já está habituado...

Ele apertou um botão. Uma campainha tocou lá fora. O policial reapareceu, com um riso mau na boca:

   - Posso levar o cara, doutor?

   - Pode. Amanhã ou depois nós faremos a acareação...

Eu me senti perdido. Já sofrera humilhações em minha infância e mocidade, mas de há muito me afirmara num padrão que não suportava aquela indignidade. Tudo desbara como um raio sobre a minha cabeça. Mas o que fazer. Se reagisse, seria espancado? Pioraria a minha situação. Aceitar tudo aquilo submissamente, porém, era superior às minhas forças. Eu tinha de fazer alguma coisa. O quê?
O policial me agarrou pelo braço e me conduziu para fora do gabinete. Depois, sempre me segurando com força, me levou por um corredor. Descemos uma escada, mais outra, mais outra. Evidente que estávamos indo para os porões da delegacia, onde ficam as celas sombrias.
Senti uma tonteira. Acredito que a minha fortaleza de desmoronou. Eu fraquejava. Um suor frio molhou a minha fronte. Estranhamente, senti vontade de vomitar. Mofaria ali por quanto tempo?
Uma porta gradeada foi aberta. O chão era úmido, de cimento ralo e áspero. Nenhuma luz. O destino caprichara nas tramas e, justamente quando eu me aprumava na vida, jogava-me aquela provação injusta mas da qual eu não sabia como sair.
Tropecei num obstáculo invisível, que na verdade não existia: era o início de um desmaio. Aquilo foi um sinal: eu estava me entregando. Precisava reagir. Era inocente, não podia fraquejar como um covarde. Reuni toda a minha força de vontade e me mantive de pé.
Entrei na cela. Havia dois homens caídos no chão, imundos e tristes. Se passasse naquele lugar alguns dias, eu ficaria assim: imundo e triste. O policial se preparou para fechar a porta novamente. Nisso, ouvi uma voz que vinha do corredor:

   - Ananias! Ananias!

O policial respondeu:

   - Que é?

   - O delegado chegou e mandou chamar esse rapaz!

O policial fez uma cara azeda mas tinha de cumprir a ordem recebida. Com a má vontade que foi possível arranjar, rosnou entre os dentes:

   - Me acompanhe.

Fiz o mesmo caminho, desta vez subindo as escadas. Não podia imaginar o que me aconteceria. Mas qualquer coisa, agora, seria melhor do que a realidade. A dura, a incerta realidade de que estava vivendo.

* Estamos chegando na reta final. Faltam só alguns capítulos para descobrirem se o Cole vai ou não terminar feliz ao lado da Lili 🤭❤️.
* Espero que gostem❤️.
* Se gostarem favoritem e comentem ❤️.
               
  *Bjs bjs ❤️

~❤️𝑈𝑚𝑎 𝐻𝑖𝑠𝑡𝑜𝑟𝑖𝑎 𝐷𝑒 𝐴𝑚𝑜𝑟❤️~ Adaptação Sprousehart ❤️ Onde histórias criam vida. Descubra agora