Havia glacê na borda do sofá, no canto da parede e debaixo das unhas daqueles garotos malandros. Era um retrato da pré-adolescência em tempo real.
Eles se debruçavam sobre a mesa de centro e encaravam avidamente a tela da TV, que refletia os gráficos do video-game de última geração.
Nada daquilo despertava o meu interesse tanto quanto observá-lo lambuzar-se de bolo.
Era estranho, porque todos os amigos do meu irmão não passavam de uma extensão das suas características mais desprezíveis e insuportáveis. Mas Lucas, não.
Ele era doce, gentil, silencioso. Uma inocência feminina brotava de suas pupilas e da sua voz imatura, que nem sequer se ouvia, a não ser por raras exceções.— Grace, pega mais bolo pra mim? – fui acordada dos meus pensamentos juvenis. Arthur estendia o braço em minha direção sem retirar os olhos do controle remoto.
— Não.
Será que Ele me acharia muito grossa? Eu deveria ser gentil e fazer o favor ao meu irmão, em vez disso? Tentei analisá-lo pelo canto do olho, mas Lucas mal se moveu no lugar. Cutucava os pedacinhos de abacaxi caramelizado no prato.
— Para de graça. – dessa vez, Arthur se virou — Por favor.
Eu bufei.
Estava tão nervosa.
Levantei com dificuldade, tentando não ser amassada por aqueles brutamontes de 12 anos gritando como loucos.
Dei dois passos e Lucas dobrou suas pernas, antes estendidas, com pouco caso.
— Obrigada. - suspirei.
— Humm. - ele disse.
Humm? Que tipo de barulho era aquele? Isso significava que ele estava interessado em mim, que queria ser meu namorado?
Meu coração palpitou. Fui até a cozinha e, além de repor o pedaço de Arthur, concluí que seria uma ótima ideia trazer mais um pro Lucas. A forma como ele olhava a comida era curiosa. Parecia que sempre estava com fome. Portanto, não recusaria minha ação de bom grado.
Passei pelo banheiro e dei uma olhada no espelho.
Minhas bochechas não estavam tão gordas como de costume; tinha emagrecido?Todos me diziam que a fase da puberdade é milagrosa pra garotas porque elas emagrecem com muita rapidez e facilidade. Podia ser que aquilo estivesse acontecendo comigo mesmo sem eu tentar. Se fosse esse o caso, ele com certeza iria gostar de mim e andaríamos de mãos dadas pela escola.
É claro, eu teria que me declarar primeiro. Mas depois do que eu estava prestes a fazer, seria difícil não adivinhar.
Tomei coragem e, puxando ar pro meus pulmões, adentrei a sala de estar novamente, identificando o meu alvo.
E o meu alvo...
O meu alvo estava com Levi.
Justo Levi, o garoto que eu mais odiava em toda a face da terra. Levi olha para os dois pratos na minha mão e, como se soubesse exatamente o que fazer para me magoar, perguntou:
– Você não tá cheia demais depois de comer 3 pedaços?
Os risos ensurdecedores preenchem a sala.
Naquele instante, Levi era mal, eu era gorda e Lucas não seria mais meu.
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Jejum de amor - e outras dietas de solidão
Hayran KurguDepois de uma vida inteira de bullying e sobrepeso, Grace emagrece drasticamente no auge dos seus 21 anos com jejum intermitente. Mesmo com muitos kilos a menos, a garota ainda se lembra de momentos e de pessoas que estragaram seu passado, em espec...