Na Sua Estante- PARTE I

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" Te vejo errando e isso não é pecado. Exceto quando faz outra pessoa sangrar"

"Você está saindo da minha vida e parece que vai demorar. "

"E não adianta nem me procurar, em outros timbres, outros risos. "

"Eu estava aqui o tempo todo só você não viu. "

"Tô aproveitando cada segundo antes que isso aqui vire uma tragédia. "

"Mas eu não ficaria bem na sua estante. "

No início você era minha estante, me dava sustentação para aguentar o peso dos outros objetos, porém com o tempo você pouco sustentava e pesava mais e mais, lentamente você parou de sustentar minha dor e se tornou o próprio peso.

Meus pais estavam brigando novamente, e estava me machucando, mas dessa vez eu era o foco, o que só aumentava mais ainda a dor. Naquele momento eles estavam refletindo minhas noites, era isso o que eu fazia, discutir, porém as pessoas que discutiam eram eu e minha outra parte. Eu tentava achar respostas sobre mim, sobre a razão de eu estar sentindo o que sentia, porém o que eles estavam fazendo era responder minhas respostas sem que soubessem que eu estava escutando. Todas noites me questionava, e acreditava que o pior era não obter uma saída, porém nessa tarde percebi que as respostas doíam mais ainda, doíam ao ouvido, ao coração, ao peito, todos os lugares. Sentia como se um tsunami estivesse passando por mim e eu não pudesse fugir, me segurar em algum lugar, afinal único lugar onde tinha para me abrigar era em mim, e este lugar não estava disponível no momento, estava ocupado demais tentando segurar, tentando não desistir.

Há 6 meses atrás a pessoa que poderia me abrigar em um abraço era Arthur, mas agora o mesmo fazia parte do tsunami, fazia parte do desastre que me devastava, fazia parte da natureza que eu temia, fazia parte dessa tempestade que parecia não acabar, fazia parte do terremoto que balançava minhas sustentações, e se eu fosse escolher algum fenômeno que queria que Artur fosse para mim, seria o aquecimento global, eu queria esse calor para me confortar, entretanto ultimamente ele se assemelhava a Europa: distante, egocêntrica e fria.

O jogo de palavras que me cortava internamente foi para cozinha, assim pude ir ao banheiro sem que eles me vissem na sala. Eu queria ir ao banheiro para tomar banho, é simples, faz parte do cotidiano, entretanto eu não queria ir para cumprir a rotina. Sentir a água escorrendo por meu corpo era como uma companhia, uma companhia silenciosa que me ocupava por inteira, mesmo que fosse por fora. Sentei no chão do banheiro, a água escorria pelo meu pescoço e daí passava pelas minhas costas, meu peito, até chegar em meus quadris, onde caia no chão. Chorar no banho com o tempo tinha se tornado um hábito, lá ninguém ia ver, ninguém ia interromper, e minhas lágrimas se misturavam a água do banho, elas encontravam companhia enquanto passavam por meu rosto. O barulho do chuveiro impossibilitava que alguém escutasse meus soluços e o mesmo impedia que meus ouvidos ouvissem a briga.

Saí do banho e fui para meu quarto, se meus pais me viram, não se manifestaram. Deitei na cama de toalha, não queria vestir nenhuma roupa para que não lembrasse mais ainda um dos porquês de estar tão mal. Olhei para o teto branco, depois de alguns minutos tentando esvaziar a mente dos pensamentos impiedosos, virei a cabeça e o corpo na cama, e lá estava novamente minha estante rosa, fixei os olhos nela, procurei mais uma resposta, uma que resumisse a situação, algum sentido que aquela estante poderia me dar. E então entendi.

Estante, formada por 4 grandes blocos quadrados, que juntos eram um enorme retângulo na vertical preso a parede. Em cada uma de suas prateleiras ela sustentava objetos, objetos como livros, cadernos, decorativos, entre outros. Por um instante me coloquei no lugar, refleti minha situação naquele móvel. Eu era a estante, eu sustentava, amparava, firmava, ajudava, confortava pessoas, fazia tudo isso por elas assim como a estante. Mas não era simplesmente isso, quem eram os objetos? Os objetos eram pessoas que tinham alguma importância para mim, porém ao serem trocados não alteraria minha estrutura, por um instante pensei que essas pessoas eram meu pai e Sofia. Porém apenas eu conseguia amparar tantos objetos na minha estante? Não, definitivamente não, haviam outras pessoas que ajudavam a manter minhas bases, pessoas mais importantes que os objetos. Quem fazia parte da minha estrutura? Artur e minha mãe. Pronto, parecia certo, todavia, eu sabia que as coisas não eram tão fáceis assim, caso fossem, não estaria imersa em tanto tormento.

Por Um InstanteOnde histórias criam vida. Descubra agora