Intro

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Aceitei alugar o quarto vago para aquele garoto porque sua mãe, uma prima distante, insistiu que ele não daria trabalho. Eu tinha optado por alugar o segundo quarto do meu apartamento para complementar a renda, já que minha decisão de largar o trabalho formal para me dedicar exclusivamente à produção literária poderia me custar caro e, se a sorte havia me deixado o imóvel como herança da minha avó, era uma oportunidade a ser agarrada. Pelo menos eu não ficaria sem um teto. O aluguel que o menino pagaria – no caso, sua mãe, ele ainda era universitário e não trabalhava – cobriria parte das minhas despesas e o restante viria de jobs de tradução e revisão. Assim eu esperava.

Nossos primeiros meses de convivência foram tranquilos. Jeon Jungkook era um rapaz quieto, gentil e responsável, sempre lavava a própria louça e a própria roupa, mantinha o ambiente limpo e fazia pouco barulho. Exceto quando praticava violino em seu quarto. Mas aquilo não me incomodava. Ajudava, inclusive, a me desligar dos demais sons do ambiente quando precisava escrever. Nós quase não conversávamos. Ele era tímido, eu introvertida. Fora a nossa diferença de idade que possivelmente nos colocaria em espectros diferentes de assunto. Ele tinha 21, eu 34. Há cinco anos tinha terminado meu último relacionamento e morava sozinha desde então, aplacando o desejo ou a solidão com uns casinhos ocasionais. Pra falar a verdade, não sentia a menor falta de um companheiro ou companheira.

Há vários meses estava imersa na escrita de um romance e mal saía de casa, exceto quanto precisava ver gente e pegar alguma inspiração, meus poucos amigos já acostumados com meu isolamento durante os períodos de produção. Dessa forma, a única pessoa que eu via com frequência era Jungkook. Chegávamos a fazer algumas refeições juntos antes de ele se trancar no quarto para praticar - ao contrário de mim, ele gostava de cozinhar.

Conversávamos banalidades do dia a dia, poucas frases, mas nenhum dos dois se incomodava com o silêncio. Ele sempre me tratava formalmente, me chamava de "senhoria" ou meu nome completo acompanhado por "ssi" no final. Era um menino bonito, mas eu evitava pensar qualquer coisa quando o olhava por não ser adequado, e também por saber que jamais seria o alvo de atração de um rapaz tão jovem e possivelmente com várias moças igualmente jovens e lindas em seu encalço.

Houve uma noite, porém, em que o véu que cobria meus olhos foi erguido.

Quando cheguei em casa de uma ida a um café próximo onde eu gostava de escrever, encontrei Jungkook adormecido no sofá. Seu violino estava a seus pés, o arco largado no estofado a seu lado. Ele vestia uma camiseta branca, a gola um pouco esgarçada deixando as clavículas e um quase nada do peito à mostra. A bermuda preta, um tantinho puxada pra cima devido à posição de suas pernas, deixava ver as coxas tão musculosas que eu jamais poderia imaginar quando o via em suas calças largas. Tudo nele era bonito e era como se brilhasse na luz fraca da luminária acesa sobre a mesinha de centro, o foco sobre a partitura aberta. Apesar do espetáculo de seu corpo, seu rosto era o mais impressionante, os lábios levemente entreabertos por causa da cabeça inclinada no encosto, os olhos cerrados numa paz que me causava inveja, os traços que antes eu via como infantis ganhando contornos masculinos, suaves e afiados, curvilíneos e angulosos, a luz tocando o relevo daquela pele que devia ser macia ao toque... E eu tendo que me segurar numa cadeira, no arco da porta, em qualquer lugar que meu corpo encostava só pra refrear a vontade. Vontade de quê eu não sabia direito. Só sabia que o ar tinha ficado pesado de repente. E que, mesmo sendo difícil respirar, eu ficaria ali olhando aquele menino dormir por horas e horas e horas. Foi naquele momento que algo se desencaixou dentro de mim e eu, escaldada com minhas próprias maluquices, comecei a pensar: talvez eu já não seja mais eu mesma.

Good BoyOnde histórias criam vida. Descubra agora