Experiências Peculiares

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Mar

A família dos Batistas é cheia de histórias assustadoras. E desde criança sempre fui contemplada em ouvi-las_Isso antes de dormir. Por estar tão acostumada, acabei perdendo o medo e até achava divertido quando se iniciava a sessão de contos reais.

Lembrei de um e decidi narrar rapidamente. E porque não? Esse é o intuito do livro, né? Pois bem, vamos lá!

Minha bisavó, a vovó careca, como era carinhosamente chamada pelos o netos, morria de medo da guerra. Era 1914 e estava acontecendo a primeira guerra Mundial. Ela morava com os pais no Nordeste e se desesperaram quando rumores de que esta guerra viria ao Brasil se espalharam. Mas eram só rumores.

Acreditando fielmente nisto, os pais dela  enterraram todo o seu dinheiro afim de esconder dos saqueadores.  Mas infelizmente, quando a notícia sobre as invasões estrangeiras foram totalmente dissipadas, meu tataravô não lembrava mais onde havia deixado seu tesouro. Com a falência, foram obrigados a mandar sua única filha de quinze anos para outra cidade. E ela veio para Fortaleza trabalhar como doméstica na casa de um compadre de seu pai.

Vovó Careca se viu sem expectativas   quando teve que viajar sozinha a  navio para um lugar completamente desconhecido. Mas naquele século, meninas não tinham vontade própria então, ela nem relutou, e aceitou o destino triste longe da família.

Ela contou, que durante a viagem, muitas pessoas adoeceram. E isso a assustou. No entanto, conseguiu se manter ilesa e a salva, evitando como podia as cabides e os corredores contaminados. Passava a maioria do tempo na proa, só recebendo o ar puro da maresia. Fazia isso até mesmo altas horas da noite. E foi justamente numa desses momentos ao ar livre, que ela teve a chance de presenciar uma das cenas mais belas e intrigantes de sua vida.

Eram três da madrugada quando vovó perdeu o sono. Apesar do frio, ela não se incomodou de ficar um pouco lá fora. Ela realmente gostava de contemplar a escuridão e o silêncio das águas. Mesmo quando a tristeza das lembranças a consumia com o bater do vento. Mas naquela noite, especialmente, sua aflição de sempre pareceu bem mais intensa. Era como se uma onda avassaladora de sentimentos estivesse tomando seu coração de um jeito totalmente estranho e diferente

Vovó lembra o quanto quis chorar e principalmente gritar. Mas ela sabia que não podia fazer barulho. Afinal, todos dormiam. E também não era certo fazer algo desse tipo, causaria um alvoroço desnecessário entre os tripulantes.

"Deus me livre!"

Desse modo, decidiu que seria melhor para todos oprimir os sentimentos e chorar baixinho, assim, só pra ela mesma. E foi o que ela fez: Chorou até soluçar enquanto fitava a imensidão diante dela. Foi então que viu algo nas águas há alguns metros de distância. Vovó apertou os olhos com precisão, esfregou dezenas de vezes e quase não acreditou...

Havia um homem, muito bem vestido por sinal, de pé sobre uma rocha no meio do mar aberto_Rocha essa que não se encontrava lá até dois segundos atrás. Ele aparentava seriedade e concentração como se estivesse a espera de alguma coisa. E Vovó disse que se besliscou em alguns momentos só para se certificar de que não era sua imaginação ou até mesmo um sonho louco. Mas para sua insanidade, o homem continuava lá, preso a pedra como uma estátua humana e misteriosa. Sem coragem para dar um passo de volta a sua cama, ela ficou observando, quieta, quase sem respirar, e o que veio depois, a deixou muito mais perplexa ainda.

Uma figura feminina emergiu das águas. Isso mesmo. E pelo o que viu, não era uma mulher qualquer. Vovó a descreveu como a criatura mais linda e formosa do mundo, com cabelos pretos longos e brilhantes. O vestido, segundo ela, era de um azul tão forte, que a cor parecia pulsar. Havia também, estrelas douradas grudada na   barra da saia, e no topo da cabeça, uma coroa feita de enormes conchas e búzios, presos ao um extenso véu.

Quando a mulher saiu da água por completo, andou até o homem da rocha e ele segurou sua mão, beijando-a. Daí então, vovó finalmente entendeu a espera dele. Depois disso,ela relatou que sentiu as mãos dormentes e uma sonolência repentina. As pernas também pesaram e seu corpo inteiro amoleceu. Sentiu que poderia desmaiar há qualquer instante, mas os sintomas desapareceram rapidamente, quando o ombro foi tocado e uma forte voz masculina a repreendeu...

" Mas o que está fazendo aqui, menina? Não sabe que é perigoso ficar aqui fora numa hora dessas? Ainda mais sem ninguém por perto?"

Vovó se virou para o dono da voz, confusa, e pelo o uniforme, viu que se tratava apenas do comodante do navio. Obedecendo imediatamente as ordens, voltou para a sua cabine, e durante todo o resto da viagem, não se atreveu chegar próximo a proa novamente. Principalmente a noite.

Vovó Careca contou essa história centenas de vezes. E mesmo sabendo de cada detalhe, filhos, netos e bisnetos, nunca cansavam de ouvir. Pelo o contrário, continuam repassando através das gerações. Ninguém sabe exatamente o que ela viu de verdade, mas há quem aposte que nossa bisa apenas tenha assistido um casamento místico.

E nós achamos que a noiva não era nada mais do que a própria Rainha do Mar.

"Era Iemanjá mesmo..."_ vovó dizia com encanto nos olhos_" Aquela boniteza toda, só podia ser!..."

Descanse em paz! Vovó Careca.

E não se preocupe.
Suas histórias não serão esquecidas.

Sua bisneta: Angell Moura.

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Contos Peculiares_ Para Quem Não Teme O EscuroOnde histórias criam vida. Descubra agora