A pedra
O homem solitário, de aspecto leve e calmo, se deslocava de seu apartamento toda noite para caminhar um pouco pelas as trilhas de um Park Florestal próximo ao centro da cidade. Segundo ele, era um ótima alternativa para se exercitar, e pensar na vida ao mesmo tempo.
"É como matar dois coelhos numa cajadada só!"_ Dizia.
Numa dessas caminhadas, se deparou com algo bem instigante entre as folhas de outono espalhadas pelo o chão.
Uma pedra, no formato exato de uma moeda. Foi o que encontrou.
Além disso, a pequena rocha, possuía também um conjunto de cores degradê, numa mistura de verde musgo e azul tulipa. Cores essas tão lustrosas, que pareciam ter sido banhadas no verniz. Satisfeito, concluiu que havia acabado de encontrar um tesouro, então, gardou o objeto no bolso e voltou para casa.
Mas a partir daí, fatos bem estranhos começaram a ser rotina na vida do homem. Assim como na primeira noite, passou a não conseguir dormir com tranquilidade. Isso porque, quase sempre, estava tendo pesadelos terríveis com alguns de seus parentes já falecidos.
Durante os sonhos, os mortos pareciam tentar lhe dizer alguma coisa. Mas quando acordava, nunca decifravava direito as mensagens. Pois as palavras dos espíritos eram pronunciadas com dificuldade, tudo por conta de seus dentes podres e línguas deterioradas por vermes.
Como consequência, despertava durante a madrugada sempre molhado no suor e sob muita agitação, fazendo com que perdesse o restante da noite numa insônia extremamente brutal. Sem essas horas necessárias para o descanso, sua vida diária estava realmente começando a ser afetada.
No trabalho, inclusive, aparentava nervosismo e sintomas de ansiedade e stress. E suas terríveis olheiras já era assunto do pessoal na hora do almoço. De repente, ele havia se tornado um cara muito odiado por conta de seu mal humor, irritação e indelicadeza junto aos colegas da Firma.
Porém, o que ninguém imaginava, era que o seu comportamento nada gentil, ficava somente no trabalho. Em casa, o homem vivia sorridente e jovial. Mas, isso só acontecia mesmo, curiosamente, quando estava com a tal Pedra em mãos. E foi assim que logo percebeu, que estava totalmente dependente dela. Sentindo-se quase sempre deprimido e sem chão nos momentos em que ficava longe.
Considerando isto, prometeu a si mesmo, que jamais deixaria de ficar sem a pedra. Não a esqueceria dentro de gavetas e armários. Ela estaria sempre com ele, para onde fosse. No bolso, na carteira ou nas mãos, nunca mais iriam se separar. Seria parte do seu corpo, até o fim dos dias.
E foi justamente o que aconteceu. Numa noite a mais de pesadelos, depois que ouviu dos mortos, desta vez claramente, que precisava se livrar dela, o homem se ergueu da cama rapidamente e foi até lavabo refrescar o rosto. Olhando para o espelho acima da pia, notou no reflexo o contorno dos seus olhos extremamente escuros, com veias saltadas e arroxeadas.
Assustado com a própria aparência, passou os dedos nas profundas olheiras, e a pele foi se desmanchando com o toque. Em desespero, jogou mais água sobre o rosto, e isso só piorou, pois lascas de sua própria pele cairam dentro da pia, sem piedade . De repente, toda a sua face estava em carne viva.
Sem saber o que fazer, foi até o telefone para pedir um táxi. Precisava de ajuda, precisava ver um médico. Mas ao atravessar a sala, sua atenção foi levada para um brilho intenso sobre a mesinha de centro. Aproximando-se, viu que sua pedra se encontrava totalmente encandescente. E linda como sempre foi.Hipnotizado e ainda sangrando, a pegou nas mãos. E por uma razão desconhecida, a pôs na boca e tentou engolir. Apesar de passar pela a garganta com dificuldade, ele a comeu inteira. E quando a sentiu tocar o estômago, notou também que sua energia havia se renovado.
Correu para o espelho e se olhou novamente. Quase não se reconheceu. As olheiras tinham sumido, e sua pele estava com uma aparência jovem, descansada e totalmente restaurada. Suas pupilas também haviam mudado. Possuíam agora um verde musgo e um azul tulipa profundo na cor, e estavam brilhantes como se tivessem jogado verniz.
O homem agora era a pedra.
A pedra agora era o homem.
E foi assim até a sua morte, um ano depois, devido um câncer no esôfago.
Durante a autópsia, foi encontrado no estômago do homem o pedregulho. Estava tão enraizada, que foi preciso muita perspicácia para tirá-la do órgão do cadáver. Admirado, o legista não teve coragem de se desfazer da pedra. Não a jogou no lixo e também não mostrou a ninguém. A esterelizou, gardou no bolso e a levou pra casa.
A pedra havia encontrado um novo lar. Um novo corpo para consumir.
São assim as pedras.
Doze meses depois, este mesmo médico legista, pediu que escrevessem a seguinte frase na sua lápide quando estava a beira da morte...
"Um viva a todas as pedras que fodem com a nossa vida!"
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Contos Peculiares_ Para Quem Não Teme O Escuro
HorrorEm cada conto, uma história para derramar sangue dos olhos. sejam bem-vindos ao Macabro! Angell Moura _ Temas sensíveis ⚠️ _ Histórias Reais✨ _ Conteúdo Maduro ⚠️